top of page
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Gielton


No aeroporto aguardando o embarque. Voo atrasado. Observo.

- Pai, olha para mim.

Era uma garotinha negra, graciosa e espevitada. Viva e sedenta por interações. Linda, cabelo anelado e pele macia. Falava enquanto mexia na alça da bagagem.

O pai, concentrado no celular, nem o rabo no olho pôs. Permaneceu inerte.

- Pai, olha a mágica que vou fazer.

Ele nem desviou as vistas da telinha. Manteve-se imóvel, hipnotizado pelo brilho do celular .

Os braços da menina moviam-se em harmonia com o leve dobrar dos joelhos. Com graciosidade insistiu em tom de voz levemente imperativo.

- Pai, olha! Vou fazer uma mágica!

Ele desviou a atenção rapidamente e, no automático, reclamou.

- Joana, deixe essa mala quieta.

- Pai, olha, só uma vez, a minha mágica!

Por um lapso de tempo seus olhos se voltaram para a filha. Joana levanta a alça metálica da mala. Antes que realizasse sua mágica, descendo o puxador que se esconde no compartimento, o pai já estava de volta ao telefone.

Com desdém, Joana agradeceu.

- Obrigada.

 

Gielton




ree

As costas doíam. Uma dor como nunca antes sentida. Das duas lombares subiam ondas de sofrimento paralisando movimentos, apesar das sinapses continuarem acesas.

Seria necessário sentir a própria dor para perceber a do outro?

Tentei creme de arnica e bolsa de água quente. Até conseguia permanecer assentado no sofá. Computador no colo e olhos nas telas. E para levantar? Nem muito lentamente era suficiente. Uma fincada de baixo para cima subia até a goela soltar um gemido.

O quanto precisamos sentir no corpo as dores da alma?

A cama se tornou inimiga. A noite, o suplício. De costas, doía. De lado, doía. Virar, doía mais. A angústia da falta de posição deixava o relógio mais lento e o amanhecer mais distante.

Será que exagerei na última quarta quando pedalei por horas com meu neto na cadeirinha?

O jeito foi consultar meu homeopata.

- Alô Dr, estou com dores terríveis na lombar. Acho que peguei um jeito ao dar banho no José. Sei lá, abaixar...

- José não faz isso não. A vida anda pesada, né? Tome Novalgina e Brionia CH12.

O analgésico agia muito sutilmente. Tanto é que a lombar esquerda emitia sinais de sua existência a cada virada, a cada sentada, a cada levantada.

Em Casa Branca as palavras da Lu caíram como uma gota no lago esparramando sentido para todos os lados. Quer dizer que outras pessoas passam por dramas semelhantes?

O frio da manhã cortava o dia. Tomei coragem. Superei o medo do padecer e topei. E se a dor voltar com mais força depois da caminhada? Arrisquei.

Atravessamos uma densa floresta cheia de obstáculos. Troncos no meio da trilha dificultavam o acesso. Nada que, com jeitinho, sem abusos corporais não fosse possível. Os riachos a atravessar exigiam cuidados. Às vezes era preciso colocar uma pedra no meio do caminho para facilitar a passagem.

Pronto, alcançamos a cachoeira. De fora estava gelado mas, o corpo por dentro, aquecido. O sangue corria com mais velocidade e o coração palpitava de alegria pela companhia de pessoas tão queridas.

Entro ou não na cachoeira? Decidi. Não tinha ninguém por perto. Caminhei até a beirada e pulei pelado. Nusga, gelo puro. Nadei por entre os penhascos de ambos os lados nesse estreito leito de córrego. O azul do céu era de um azul indescritível. Mais nítido, mais redondo, mais claro!

A frieza da água era abundante. Meu filho, à frente, conduzia. De repente, o vi de corpo inteiro debaixo da ducha. Minha vez, agora. Fui. Adoro água gelada. Deixei que ela massageasse levemente minha lombar até sentir um profundo bem estar.

A temperatura já estava acostumada pelo corpo. Um pequeno redemoinho entre as pedras toma a forma de uma banheira de hidromassagem natural. A água passando pelos lados, em forma de vai e vem, guia o corpo por essa corrente de fluidez. A essa altura, o sangue, nem tão mais quente, ainda mantinha a caloria interna.

Dois passos à frente outro microcosmo do pequeno riacho gentilmente se ofereceu. Aceitei sentando-me na rocha com todo o corpo submerso na água. Meditei. Baixei minha vibração até quase virar água com água. Deixei a energia galgar pelo físico. Experimentei a força e sutileza da natureza.

De volta ao mundo, revestido e aquecido, olhei para trás. As dores haviam partido! Adeus anódinos.

Assim, a vida. Somos feitos de energia sutil, ou apenas a Química rege nossa existência?

 

Gielton



ree

Às vezes a vida nos toma e os espaços de tempo ficam totalmente preenchidos, como um copo d'água prestes a transbordar depois da próxima gota. Parece até que a Terra gira mais rápido. Alguns dizem que o tempo é psicológico. Outros, que o tempo é priorização. Seja o que for, de vez em quando ele sai do eixo e muda seu ritmo.

Estou assim há alguns dias. Sem tempo para nada. Mas como assim? Tenho feito tantas coisas, atendido tantas demandas! Porque essa sensação de atolamento?

Ah, sim, os prazeres clamam por si. Entre eles, a vontade de escrever. Mas, para onde foram as ideias? Mesmo que os polegares queiram frenetizar no teclado do celular, não há espaço no dia. A vida anda tomada, conectada a uma de 330 volts. A eletricidade flui pelo corpo e acelera os pensamentos. Dá até um "tesãozinho" esse modo de neurônios neurados. Outro dia, nem banho tomei. De acompanhante no hospital caí direto no trabalho e vice-versa.

Em meio a esse desalinho eis que surge uma festa de amigos de velhos tempos. Mesmo nesse corre-corre alucinado, optamos pelo encontro. Internamente algo dizia: é necessário.

A recepção foi mais do que afetuosa!

- Quanta honra! Até que enfim vieram à nossa casa.

Nós dois, numa falta de graça danada, respondemos.

- Que isso, nós quem agradecemos ao convite. Viemos prestigiar seu niver.

O quintal de terra estava lindo. Uma jabuticabeira dava vista aos olhos de seus frutos ainda por vir. A fogueira, ao fundo, aquecia, de longe, a noite fria. À mesa, pés de moleque, canudinhos e cocadas coloriam com gosto de infância.

- E o neto? Como vai?

- Bonitinho toda vida. Nem é bom comentar, senão vamos destrambelhar a falar.

- E as ESCRIVÊNCIAS? Nossa, seu último texto foi espetacular. Você não tem noção do quanto toca as pessoas. O alcance das suas palavras parece sem medida.

Ai meu Deus. Será? Como assim? Os comentários do Facebook são indicativos, mas, nem tanto. Devagar com o andor!!!

Outra grande amiga do tempo das antigas se aproxima:

- Estou adorando as ESCRIVÊNCIAS. Gosto de ler. Sinto paz e calma, além das reflexões profundas sobre a vida. Espero pelo livro, hein!

Nessa hora ele inflou. Tive que cuidar para não subir ar adentro com perigo de estourar o ego e esborrachar no chão. Brotou aquele sorrisinho sem graça para disfarçar. Enfiei a mão no bolso e desviei a atenção.

Ficamos por ali tempo suficiente para acalmar a agitação interna. Escolhemos um canto para sentar e deixarmos a vida fluir, leve, fácil, sem esforço. Entre deliciosos caldos, confortáveis ao estômago, passaram histórias do Monte Everest, recém-visitado por um dos amigos. Impactante! O filho da aniversariante, já crescido, nos foi reapresentado em um vídeo debulhando uma sanfona. Lindo!

Com o ego acalmado foi possível pensar com mais clareza. Que mal existe em tocar as pessoas? Qual o problema em receber elogios? Isso é ser vaidoso? Podemos cultivar a vaidade?

Porque não? Afinal viemos ao mundo para nos sensibilizarmos mutuamente. Trocarmos nossas energias. Transitarmos entre as consciências. Se nossa verdade transmite boas coisas, que mal há?

Ah, sim, a arrogância anda perto, caminha do lado. Facinho pular a interface para o lado de lá. Dela, sim, é bom cuidar. Deixar o "fodismo" quieto em seu canto e seguir.

Voltei outro para casa, afetado pelo afeto das amizades. Algo de eixo reencaixando e deixando mais lento o oscilar do pêndulo no tic tac cotidiano.

Assim, a vida. Até consegui mover de novo os polegares! Obrigado amigos.

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

  • Ícone de App de Facebook
  • YouTube clássico
  • SoundCloud clássico
bottom of page