- Gielton
Atualizado: 22 de jul.
Gielton

Estou com uma vontade danada de escrever sobre Zé Pequeno — igual coceira que não cessa, mesmo quando as unhas ferem a pele. É como me sinto, machucado por dentro, arranhado pelos baques da vida.
Queria registrar todos os momentos e guardar tudo, bem guardadinho na memória, para que nenhum detalhe escape, nenhum instante se perca no turbilhão do tempo.
Assim, meio desvairado, vou revivendo algumas de nossas inúmeras parcerias.
Ah, o café da manhã era quase sempre compartilhado. Cedinho estávamos de pé. Enquanto coava, seu aroma exalava por cantos inacessíveis da casa. Ele logo percebia, talvez pela roupa que eu trajava, ou pela energia concentrada nos afazeres do dia, que não lhe daria muita atenção naquela manhã. À francesa, voltava para o terraço. Sem graça e cabisbaixo, subia as escadas. Triste recostava em um canto para esquentar um pouco de Sol. Não demonstrava chateação, apenas uma espécie de aceitação sem julgamentos. Lia em meus olhos seu lugar naquele instante.
Quando eu vestia a bermuda, seguindo o mesmo ritual do dia a dia, ele já descia saltitante. Hoje tem pão, ou biscoito cream cracker, ou outra guloseima qualquer. À beira da porta da cozinha ficava atento aos movimentos. Eu, sentado à mesa, lançava o petisco. Aprendeu rápido, desde pequeno, a abocanhá-lo no ar antes mesmo de cair no chão. Quanta agilidade! Nossos reflexos, se comparados, andam em câmera lenta.
De repente, saía em disparada, derrapando tábua a fora, latindo feito louco. Tinha seus arqui-inimigos caninos da vizinhança, como dizia meu filho. Às vezes, ia para a janela de frente, outras, para a lateral e latia feito louco. Depois de muito esbravejar, voltava calmamente para continuar o café da manhã como se nada tivesse acontecido. Sabia expressar com ferocidade toda sua raiva. Quem nos dera sabedoria para expulsar sentimentos engavetados.
Quase sempre me acompanhava no lanche da tarde. Era no sofá, de frente para a TV, que deitava meu cansaço depois de vencer mais um dia de trabalho. Ele, sentado no chão com aquele olhar de cão pedinte, acompanhava meus movimentos e apanhava no ar seu pedaço de biscoito. Quando dizia, "agora acabou Zé Pequeno", deitava-se conformado ao meu lado para ganhar um afago. Adorava essa troca de carinhos. Sempre soube dar e receber!!!
Grande companheiro!
Saudades de você.