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Atualizado: 3 de set.

Gielton


Livro aberto


Adoro ler, mastigar as palavras, uma a uma, bem devagar. Saboreá-las como quem cultiva gostos raros em cada canto da boca. A língua toca o céu e alcança os recônditos das páginas, desvendando sílabas e sons como um músico explora notas e ritmos.


Após os paladares mundanos, é

hora de digerir

decantar, encantar


Olhar para o nada, como quem deixa o vazio entrar.


Pois sentir

é a antimatéria do sentido

é o amálgama das emoções


Não importa!


Pode ser turbilhão ou alumbramento

conexão entre a alma e o inefável

ou simplesmente gozo.


Em alguma dobra dos livros que li está a chave que liberta a intuição. Uma vez solta, basta dar linha que se encontra, nas entrelinhas, tesouros escondidos dentro de nós.


É deste esconderijo que apresento, neste destaque, meu olhar singelo de alguns livros dos quais me enamorei.


Sinta-se à vontade para saborear comigo.

 

Atualizado: 8 de nov. de 2024

Gielton



Criança com capacete vista de cima sobre a bike






O capacete tatuado com figurinhas infantis é lindo. Ela nem fazia ideia, mas era seu presente de oito meses. Mais meu do que dela. Um sonho de futuro. Era ainda muito jovem para se sustentar na cadeirinha da bicicleta. Teria que esperar. Não sabia quanto.


A demora parecia infinita. Quando chegaria a vez das bicicletadas deitadas na fantasia? Os arranjos cotidianos não confluíam. Aqui dentro, o coração apertado ancorava certa resiliência. Talvez não será como imaginei.


— Pai, estamos pensando em mudar as coisas. Você poderia ficar com a Malu às quartas?


Um mês depois nos tornamos cúmplices do vento: ar que nos atravessa enquanto pedalo. Era só fazer o gesto com as mãos em punho girando feito pedal que seu semblante desabrochava.


Seu temor pela altura do chão foi cuidadosamente respeitado. Aos poucos, a confiança nos abraçou até nos tornamos uno: vô, neta e bike.


— Vovô, o que tem atrás deste muro?


— Sabia que ali é a escola que estudei quando criança?


— Era ali seu parquinho, vovô?


— Não tanto, mas... é Isso!


— E a mamãe, onde estava?


— Ah... ela nem tinha nascido. Nem tinha ainda conhecido sua vó!


Sem entender direito, mas mantendo a tagarelice...


— Onde a mamãe estava?


— Deixa eu ver... Lá no céu.


— Junto da sua mamãe? Ela também está no céu...


— É, mais ou menos.


— E eu, onde eu estava?


Pausa para pensar.


— Lá no céu também.


— Como a gente vem do céu?


Malu, de pé sobre seus três aninhos, tem a língua solta que agarra de longe ideias inimagináveis. Permanece presente em cada instante e fala, fala, fala... Nessa toada, em papos profundos, passamos pela pracinha, descemos a "rampa da velocidade", até alcançarmos o açaí. Adora o sorvete de morango com algumas guloseimas extras. Acho que é a parte mais aguardada do passeio.


De cima, enquanto as pernas volteiam em círculos, vejo as mãozinhas abraçando seu guidão e os pés firmados no apoio. O capacete roxo, com luas, pirâmides e estrelas, sombreia seu rosto. Não faz mal. Suas palavras tão bem articuladas nos enlaçam, atingem meus tímpanos e expandem corpo adentro. A alma, sem esforço, vibra em regozijo.


Meu pai foi para o céu antes de seus netos descerem. Talvez tenham se cruzado por lá. Sinto-me privilegiado em tê-los por perto nesse mudo. Só me resta agradecer!


Assim, a vida! Entre o céu e a terra.

 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: há 14 horas

Gielton



Imagem metafórica -  ondas circulares na água



Às vezes a vida junta pessoas que nunca se encontrariam… e dá nisso.


Estamos no Jalapão. Desta vez, em uma expedição com jovens de diferentes partes do Brasil. Diferentes profissões, diferentes formas de ser e de ver o mundo. Certa apreensão contamina o ambiente. Em uníssono, todos, com pequenos desvios, reverberam por dentro: Quem são? O que fazem? O que pensam?


Estranho viajar com gente estranha. A Hilux é muito confortável, apesar da estrada cheia de costelas fazer tremer até o pensamento. O silêncio que se espalha em seu interior parece prender a si mesmo. Como se soltar alguma palavra fosse abrir alguma seara labiríntica de incertezas.


Pelo menos, a música é boa, a meu ver. Elogiei o condutor - guia e DJ do dia - quebrando o primeiro encanto.


Tateando como cegos as auras alheias, percebendo nuances, sintonias e estranhamentos, fomos rompendo o feitiço entre almoços tímidos, conversas tortas, fervedouros e trilhas, sem perceber.


Ninguém sabia, mas, naquele dia, o inesperado estava por vir.


Distraídos, descemos um descampado por uma trilha que não parecia levar a algo tão surpreendente. Assim, como que, de repente, surge uma cachoeira de águas verdes com um tom levemente escuro. Tão cristalina quanto nossos olhos podem ver. Talvez o verde da vegetação reflita sua energia sobre as águas, deixando-as tão alegres quanto somos capazes de captar. E isso nosso grupo captou. Desceu uma leve cortina de benquerença para nos conectar.


Sem perceber, fomos levados ao tronco estacionado no canto do poço. Era a natureza brincando com a gente. E rimos. Ali, entre a correnteza que nos puxava e a água que dissolvia “faltas de graça”, os papos começaram a brotar: filhos, netos, mães, pais — histórias simples que aproximam o humano do humano. Assim, os sorrisos estampados em todos os rostos eram um sinal de que algo diferente estava acontecendo.


Parece que o bem-querer nos tomou e que não viemos para esse passeio juntos por acaso. Aliás, nada é por acaso. Como se o motivo do nosso encontro fosse revelado pelo rio Formiga. E aí, meu caro, não importa quem são, o que fazem ou o que pensam.


Nos presenteamos com fotos e mais fotos para celebrar essa sintonia mágica. Em sincronia, após a contagem, mergulhamos juntos, enquanto o clique frenético da GoPro condensava as luzes de cada um no filme. Aquele mergulho guardou na memória um instante mágico: éramos, afinal, apenas seres de luz, pontinhos brilhantes vistos do céu.


Assim, a vida! Viemos para transformar uns aos outros.

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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