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Gielton



Distraído ao celular no aeroporto






Em algum aeroporto aguardando voo atrasado.


- Pai, olha pra mim.


Era uma garotinha meiga, graciosa e espevitada. Dizia enquanto mexia na alça da mala.


O pai, concentrado ao celular.


Ela, animada, insistiu.


- Pai, olha a mágica que vou fazer.


Hipnotizado pelo brilho, manteve os olhos vidrados na telinha.


A pequena, com toda sua formosura, tentou novamente, em tom de voz um pouco mais imperativo.


- Pai, olha. Vou fazer uma mágica!


Desviou a atenção e impaciente disse.


- Joana, deixe essa mochila quieta, por favor.


- Pai, olha, só uma vez, a minha mágica.


Contrariado, virou o pescoço na direção da pequena que, naquele súbito instante, destravou a alavanca da maleta, subiu a alça, abriu os braços e sorriu como se internamente soasse "tam, tam, tam, tam".


O sorriso amarelou, os braços despencaram e o corpo se curvou ao perceber que o pai não estava mais ali. Os dedos teclavam algo "urgente".


Decepcionada, voltou a brincar sozinha. Silenciosa.


Assim, a vida! Urgências...

  • Foto do escritor: Gielton
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Virgem Maria -  Pintura de Giovanni Battista Salvi da Sassoferrato


O canavial ardia. As chamas subiam e cintilavam. Caules e folhas contorcidas choravam garapa ardente. De longe, um “tocho” de fumaça preta escalava o céu parecendo pneu torrado.


Dona Malvina, em desespero, clama aos trabalhadores.


— É preciso conter o fogaréu.


— Vou não, não tem como apagar.


Diz José.


Antônio responde igual.


— Sinto muito, não temos água que dê. Está muito longe.


Em rompante de desespero, Dona Malvina encheu uma lata d'água de 20 litros, aprumou-a na cabeça e, a passos lentos, começou a subir a colina.


Antônio e José, atônitos, assistiam a cena.


Inesperadamente, em um único escorregão, toda água do balde desceu como enxurrada ladeira abaixo. O tombo, digno de risadas não fosse o momento delicado, deixou Dona Malvina estatelada sobre a terra.


Sem forças, retornou.


— Vai de novo, Dona Malvina?


Ajoelhou sobre a terra seca, agarrou-se ao crucifixo, inclinou a cabeça, braços e mãos para cima. Recitou internamente. Nada se ouvia, apenas um tremular frenético de lábios. O semblante, a essa hora, traduzia convicção na divindade. Afinal, sempre fora devota da Virgem Maria. Quantas e quantas novenas, terços e Ave Marias rezou em sua breve existência. Um sussurro de clemência ecoou.


De repente, uma ventania de levantar telhas, bater janelas e portas trouxe uma nuvem cinzenta que, de tão pesada, estacionou bem em cima do canavial. Parecia uma tormenta, daquelas provocadas por efeitos especiais de cinema. Uma cena real apesar de inimaginável!


Antônio e José, pasmados, se seguravam aos pilares para não serem levados pelo sopro do ar que zunia. Enquanto isso, água em forma de gelo era lançada por São Pedro céu abaixo. A chuva torrencial abraçou aquele pedaço de terra. Nada escapou. Nem um pó de terra seca ficou.


Meia hora depois o sol de brilho intenso e claridade múltipla retorna, como se estivesse, todo esse tempo, brincando de pique esconde.


Não havia fumaça. Onde não há fumaça, não há fogo!


Antônio conta. Ninguém acredita.


Assim, a vida! Milagres da fé.


Imagem Virgem Maria - Pintura de Giovanni Battista Salvi da Sassoferrato <https://santhatela.com.br/sassoferrato/sassoferrato-a-virgem-maria-1656/>

Atualizado: 2 de jul. de 2024

Gielton



Ampulheta em tempo chuvoso



É como o sorriso. Não a gargalhada espalhafatosa que camufla a tristeza nos recônditos das vísceras. Nem tão pouco, o sorriso amarelo. Esse que, sem cor, não fede e nem cheira. Diz pouco, ou quase nada. Indifere.


Se conecta à esperança. Sincero olhar vendado adiante. Mesmo assim, capta um, entre tantos fins e recomeços. Não ilude a si e aos outros, apenas reconhece a luz por vir. Fixa o certo emaranhado à dúvida.


O tempo é seu maior aliado. Sabe disso, conta com isso. Não possui sua medida. Uma ampulheta ou o mais preciso cronômetro digital, mas sabe: tudo passa e não há tempo que algeme às intempéries.


É aceitação arredondada, sem quinas por onde escapem a realidade. Conhece seus contornos, distingue as partes e constrói seus próprios caminhos. Não se submete ou se entrega às adversidades. Sem elas, não existe.


Diz, paciência é virtude. Vive ao seu lado sem desistir. Espera o necessário sem desespero. Encontra equilíbrio entre o hoje e amanhã. Não se afoga, mesmo quando está prestes a transbordar. Respira fundo e aguarda.


Caminha de mãos dadas com o otimismo. Lado a lado encontram brechas nos muros da vida, à primeira vista, intransponíveis. Sabem juntos que derrubar a muralha do infortúnio não é boa estratégia. Então, esticam e afinam para contornar ou encontram orifícios por onde atravessam. Passam juntos para o lado de lá com resvalos, é claro


Conhece a chuva invernada de cor cinza e horizontes encurtados que umedece, mofa e angustia. A mesma que nutre, abastece de vida a terra, os rios, as fontes. Sabe do sol que arde e avermelha, torra e empoeira, mas aquece termômetros em invernos congelados.


A sabedoria lhe apetece! É parte dela.


Pode se travestir de vários nomes ou codinomes.


Assim, a vida! O que é?


<imagem gerada por AI>

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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