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Atualizado: 25 de abr. de 2018

Gielton

Meu pai foi funcionário público do IBGE. Começou como contínuo. Tinha orgulho em dizer que se aposentou com nível superior, dos mais altos da instituição, mesmo tendo cursado a admissão aos 25 anos de idade. Começou tarde. Minha mãe foi professora primária do Estado.


Nasci em Belo Horizonte, quando os dois tinham uma pensão familiar no centro da cidade. Era familiar mesmo, direcionada ao mundo de sobrinhos da minha mãe que vinham de Sete Lagoas para fazer a faculdade na capital.


Era uma forma de aumentar a renda e, ao mesmo tempo, ajudar à grande família. O apartamento, que ficava em cima da Sapataria Americana, era enorme. Apesar de ter morado lá somente até os oito anos de idade, lembro-me bem da distribuição dos cômodos. Havia uma sala gigante onde eram servidas as refeições. Nós três, os filhos, dormíamos em um quarto conjugado por uma porta onde ficavam nossos pais. Uma varanda voltada para a Afonso Pena atravessava toda a lateral do apartamento. Adorava me deitar no piso dessa varanda e ficar olhando para o céu. Curtia a sensação de estar caindo por conta do movimento das nuvens.



Nos corredores do prédio fazíamos a molecagem de tocar campainha em outros apartamentos e sair correndo na maior alegria. No carnaval, jogávamos água nos foliões que passavam por ali. Tínhamos um velocípede super moderno que, além do piloto, podia puxar um passageiro em uma cadeirinha. Nessa época podíamos, sem medo, dar voltas no quarteirão.




Tive contato com muitos primos nessa pensão. Muitos passaram por lá até concluírem seus estudos e retornarem para Sete Lagoas. Tinha verdadeira adoração pelo Joaquim, chamado primo-irmão, pois seus pais eram, ambos, irmãos dos meus. Minha paixão por ele era gratuita, talvez por ter me dado alguma atenção especial, mesmo que me sacaneasse de vez em quando. Durou até a adolescência quando, já médico, viajamos juntos para Caeté no seu “Chevet todo invocado”.


Uma vez, ganhei um revólver de brinquedo. Estávamos na sala, eu e o Joaquim que topou brincar um pouco comigo. Como só tinha um revólver, ele mesmo sugeriu que fizéssemos um outro de papel. Colocou o original como molde sobre a mesa, desenhou seu contorno e cortou. Achei fantástico, agora teríamos dois revólveres e poderíamos brincar até. Pedi o meu original de volta. Ele alegou que eu deveria ficar com o de papel. Insisti que queria o outro, mas seu argumento me convenceu. Avaliei ser melhor ficar com o de papel e brincar, do que ficar com o de verdade e não brincar.

– Tudo pronto, vamos duelar? – Disse ele.

– Um, dois e já!!!

Fiz a contagem e saquei minha arma rapidamente, antes dele.

– Ganhei, ganhei!!!

Saí comemorando.

Ele olhou para a situação, pensou e disse.

– Você não ganhou, pois seu tiro saiu de lado.

Olhei para a minha arma de papel e percebi que o cano estava torto. Daquela forma não poderia tê-lo acertado. Bati os pés no chão e saí resmungando.

– Assim não vale, assim não vale!




Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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