- Gielton
Atualizado: 6 de ago.
Gielton

Você também odiava legumes na infância?
Abóboras no carro de boi se ajeitam e se encaixam a cada solavanco. Os pequenos vazios se entrelaçam aos gomos que roçam uns nos outros, tecendo uma rede de contatos ao longo do caminho. Metáfora da vida?
Confesso, quando criança não gostava de legumes, quase nenhum. Preferia o tradicional bife, passado em duas frigideiras pela minha mãe, com batatas fritas, arroz e feijão. A carne vinha com um caldinho especial, bom de molhar o arroz e deixá-lo em tom amarronzado-escuro. Hummm… que delícia!
Abóbora? Nem pensar. A textura não agradava. O formato disforme causava certa ojeriza. O sabor? Esse não descia "nem a pau". Era preciso tapar o nariz para suportar o cheiro, mesmo com o preparo cuidadoso.
Bebês são incentivados a saborear legumes quando colherinhas viram aviões que entram nas garagens de seus bocões abertos. "Iõnnn". Às vezes, aceitam, outras, não. Para as crianças crescidas, as brincadeiras onomatopaicas dão lugar a outros convencimentos.
— Mãe, não gosto de abóbora.
— Vou deixá-la amassadinha no feijão. Você vai ver que delícia!
O feijão batido se alaranjava e perdia o gosto. Buscava nos cantos do prato a parte roxinha não misturada para evitar o sabor da abóbora. Quando possível, furava a gema do ovo mole para disfarçar o paladar.
Enquanto as abóboras continuam seu balé nos carros de boi, meu gosto foi aprendendo novos passos. Já moço, seguindo as pautas do meu tempo, tornei-me vegetariano. Parei com a carne e foi assim que a moranga, abobrinha, cenoura amarela, vagem e couve foram conquistando espaço no meu cardápio.
Na estrada, levando comigo a sombra da infância, fui incorporando novos tons ao paladar. De carona, viajamos, eu e minha namorada, pelo Brasil afora. Uma panelinha amarrada à mochila era a base do nosso cuidado alimentar. Ao lado da barraca armada na areia da praia, improvisávamos nosso próprio fogão à lenha. Ali mesmo, cozinhávamos sempre o mesmo prato: carne de soja com abóbora. Barato, simples, cheio de sabor.
Hoje, com a medalha de avô no peito, degusto com gosto abóbora cozida, assada, no caldo… Sua cor me enche os olhos e seu sabor me apetece. Deleito-me com sua consistência entre a língua e os dentes.
— Alô mãe, vou fazer o sacolão aqui de casa. Se quiser, aproveito e compro alguns produtos para a senhora.
— Quero sim.
— Então, me passa a lista, pelo telefone mesmo, que eu anoto.
— Cenoura, vagem...
— Ok, tudo anotado. Cenoura, vagem... Abóbora?
— Não, abóbora eu não gosto.
O silêncio me toma e um filme desfia meus afetos. Vejo imagens de encaixes aos solavancos como gostos que se aprendem ou se deixam para trás.
Assim, a vida! Quantos segredos moram nos sabores da infância!