ABÓBORA AMASSADA
- Gielton
- 11 de abr. de 2019
- 2 min de leitura
Gielton

Abóboras na carroça se ajeitam e se encaixam a cada solavanco. Os pequenos vazios se entrelaçam aos gomos que roçam uns nos outros tecendo uma rede de contatos ao longo do caminho. Seria a metáfora da vida?
Quando criança não gostava de legumes, quase nenhum. Preferia o tradicional bife, passado em duas frigideiras pela minha mãe, com batatas fritas, arroz e feijão. A carne vinha com um caldinho especial, bom de molhar o arroz e deixá-lo em tom amarronzado escuro. Hummm que delícia!
Abóbora? Nem pensar. A textura não agradava. O formato desproporcional causava certa ojeriza. O sabor? Esse não descia "nem a pau". Quase era preciso tapar o nariz para suportar o cheiro, mesmo com o preparo super cuidadoso.
Crianças podem aprender a saborear legumes. Colherinhas viram aviões que entram nas garagens dos bocões abertos dos bebês, no "iõnnn". À vezes com boa aceitação, outras, não. Para as crianças crescidas as brincadeiras onomatopeicas dão lugar a outros tipos de convencimento.
- Mãe, não gosto de abóbora.
- Vou deixá-la amassadinha no feijão. Você vai ver que delícia!
O feijão batido se alaranjava e perdia o gosto. Rebuscava nos cantos do prato a parte roxinha para evitar o sabor da abóbora. Quando possível, furava a gema do ovo mole para disfarçar o paladar.
Um dia a gente vira jovem. Seguindo as pautas do meu tempo me tornei vegetariano. Parei com a carne. Abóbora moranga, abobrinha, cenourinha amarela, vagem, couve entraram definitivamente no nosso cardápio. Viajamos, eu e minha namorada, pelo Brasil afora. Fomos de carona com uma barraca, duas mochilas e uma panelinha. No fogão a lenha improvisado carne de soja com abóbora era o cardápio hegemônico. Barato e fácil de fazer. Comi tanto e todos os dias que enjoei.
Hoje, já vovô, degusto com gosto a abóbora amassadinha no feijão. Seu sabor me apetece, sua cor me agrada, deleito com a textura entre línguas e dentes.
Minha mãe já está com mais de oitenta. Mulher dinâmica, ativa e independente. Ainda dirige pelas ruas de Belo Horizonte. Recentemente fraturou o fêmur. Apesar da excelente recuperação está impossibilitada de andar por aí.
- Oi mãe, vou fazer o sacolão aqui de casa. Se quiser, aproveito e compro alguns produtos pra senhora.
- Vai ser ótimo.
- Então, me passa a lista, pelo telefone mesmo, que eu anoto.
- Cenoura, vagem...
- Ok, tudo anotado. Cenoura, vagem... Abóbora?
- Não, abóbora eu não gosto.
Pensei: ah danada!
Assim, a vida... Quem diria, nunca pensei que minha mãe não gostasse. Ou, quem sabe, se desencantou há pouco tempo?
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