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ERVAS DANINHAS

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 28 de abr. de 2021
  • 2 min de leitura

Atualizado: 14 de jun. de 2023

Gielton




Mãos e unhas sujas de terra

Atualmente tenho passado horas a fio sentado sobre a grama. Ensejo vislumbra-la verdinha, bonita e vibrante. Assim como a vida que cresce em todas as direções, a relva se ramifica, avança para os lados, para cima e para baixo. No entanto, em certos espaços fica escassa, poeirificada e sem pega. A terra se intromete em seu meio. Os ramos empacam. Sem apoio, não avançam.


Sobre a relva, medito. Exercito a presença, o estar unicamente ali, agora nesse instante. Distancio pensamentos que vão além do tempo ou que se curvam para trás. Conecto à terra. Mãos pintadas de pó de chão até a ponta das unhas. O eixo que passa pelo centro da cabeça mantém ereta a coluna enquanto visualizo, uma a uma, as ervas daninhas.


Quantas são? De onde vem? O que representam? O gramado abandonado virou mato em algumas partes. Triste de ver... Vontade de reverter. As relações humanas se assemelham. Se descuidamos tornam-se sarça. Perdem-se em si mesmas. Deixam-se dominar pela falsidade, pela aparência... É preciso catar uma a uma, dia após dia, cada tipo indesejado. Ainda assim, não é seguro que as mantenhamos saudáveis.


Com a ferramenta cutuco a terra. Há uma, tipo amendoim, que se embrenha entre as raízes da grama e alastra-se em busca de novos territórios. É rasteira. Traiçoeira. Ocupa todos os espaços que lhe convém. Caminha distante sobre o capim. Invade, enlaça, esmaga e sufoca.


Com a mão esquerda reúno os ramos espalhados e emaranhados. Eles se aglutinam em um caule da espessura de um dedo. Preciso apalpar e cavoucar. Guio com o indicador para encontrar o caminho da pega. Cuido para não machucar a grama. Afinal, as relações merecem cuidado. Impossível. Inevitável algum sofrimento. Conexões entre partes da grama se rompem.


Cavo fundo a terra em busca da raiz: a causa dos desafetos. A origem dos traumas de infância ou adolescência. É dali que vem a estirpe nas entranhas do barro.


A ferramenta é limitada. Não tem medida para alcançar o âmago. Então, arrisco esticar para cima com as duas mãos o talo da erva invasora. É preciso força e suavidade. Como na vida, nada se arranca aos turbilhões. Firme e convicto, intento extrair. Às vezes sinto um descolar profundo. Ela ascende. Uma raiz tão fina na ponta quanto um fio de cabelo. A sensação é de vitória sobre a maldade da erva funesta, sobre os encalhes da vida. Será que crescerá de novo?


Outras vezes escuto um estalo fino, como um "creque". É a raiz que se rompe e emerge pelas metades. Vem em forma de "aqui permanecerei e crescerei de novo". Frustro-me ao perceber que as sobras dos laços interpessoais retornarão em forma de novos desafios. Há muito a aprender sobre a terra, sobre a grama, sobre a vida. Terei uma segunda chance para vencer essa batalha? Que traumas em mim permanecerão?


Assim, centímetro a centímetro, trabalho arduamente. Sem tempo para o término, pois o Sol reaparecerá detrás das montanhas iluminando um novo dia, transbordando esperanças de que o remexer as relações na terra sob a relva do dia anterior tenha valido a pena.


Assim, a vida.


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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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