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CARNE DE SOL COM MACAXEIRA

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 14 de jan. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 15 de jan. de 2020

Gielton

Mulher de uns cinquenta e poucos anos. Elegante no vestir. Sapato de salto fino dourado. Vestido creme, abaixo dos joelhos, rendado no colo. Um arco marrom escuro prende o cabelo pintado de loiro.


Quase todos os dias o mesmo ritual. Adentra aquele restaurante chique para o almoço. De entonação pouco gentil, ordena.


- Desligue o ar condicionado.


Senta-se à mesma mesa de sempre - de vez em quando avança uma ou outra para frente ou para trás. Quase não faz diferença. O saguão é enorme. Toalhas de mesa finas em tom bege combinam com o mobiliário de cadeiras em palha marrom. Assentos super confortáveis.


Invariavelmente pede o mesmo prato: carne de sol com macaxeira. As exceções ao cardápio vêm em seguida. Exige, em português quase erudito, sem desviar o olhar para o garçom.


- Macaxeira sem manteiga de garrafa. Não quero vinagrete e nem farofa. A carne de sol mais para bem passada.


Apesar da boa aparência é rude e pétrea. Como se fosse dona do mundo, fala em tom imperativo. Manda e desmanda. Não conhece obrigado.

...


Anoiteceu. Pesquisas da Internet nos direcionaram ao São João, restaurante especializado em carne de sol.


- Bem vindos!


Santos, negro, alto e forte, nos recebe sorridente. Sorriso sincero de quem gosta do que faz. Nos conduz a uma mesa no canto. Mantém certa distância, mas permanece conectado aos nossos movimentos. Ao perceber que estamos prontos se aproxima.

Aprendeu a não contestar, mas oferece sugestões. Indica pratos e porções.


Depois da deliciosa carne de sol com macaxeira na manteiga de garrafa derretendo na saliva, ficou ali, uns quarenta minutos, conversando conosco.


- Percebi que não são daqui.

- Sim, claro, pelo nosso modo de vestir, né?

- É, mas não só. Pela forma como nos olham.


Completou baixinho, tapando levemente a boca.


- Ninguém aqui agradece garçom. Tem uma senhora loira, acho que é desembargadora. Deve ganhar bem. Vem todos os dias no mesmo horário. Esses dias está sumida. Deve ser o recesso. Primeiro, manda desligar o ar. Sua conta tem sempre o mesmo valor, cinquenta e seis reais.

- É mesmo? - E reclama!

- De que? - De tudo. Da carne, da macaxeira, do garçom. Mas vem todos os dias. Depois, pede alguém para lhe chamar um Uber. Obriga o motorista a desligar o ar e baixar os vidros.

- É mesmo?

- Imagina os caras. Daqui até o Bairro de Fátima nesse calor arretado de Teresina!


E continua... "No réveillon fiz um tatu ao molho de maracujá na casa de um amigo. Aprendi a cozinhar como garçom. Faço tudo, carne, peixe, frango..."


Fico pensando. Pessoas são pessoas. Seres que vieram para se tornarem humanos. Santos é um deles! De longe parece treteiro. De perto, ternura. A largura dos braços sugere força bruta. Desenvolveu o controle fino no trato com talheres, taças e pessoas. Aprendeu em vida a ler humores. Adequa-se. Às vezes palavreia, noutras, só o essencial. Mas, se encontra ouvidos disponíveis, solta a língua destrambelhadamente.

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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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