D'AJUDA
- Gielton
- 2 de ago. de 2022
- 2 min de leitura
Gielton
A brisa esfriou o tempo e nos expulsou bem antes do que pretendíamos. Ainda bem, pois abraçamos uma experiência culinária e existencial sem igual.
Maria D'Ajuda, esse é o nome dela. D'Ajuda, tão simbólico, tão representativo, tão significativo... Separou-se, por própria escolha, quando o caçula dos oito filhos tinha menos de 10 anos. Aprumou a coragem e elegeu a incerteza. O marido sumiu. Nenhuma ajuda nesses mais de 50 anos.
Pode até ser uma história como a de muitas mulheres negras brasileiras. Filhos cuidam dos irmãos menores enquanto, nas claras horas do dia, se ausentam. Varrendo, lavando e cozinhando em casa de patroas, trazem, quando muito, o escasso leite das crias. Sozinhas, extraem da esperança a força para matar seu leão diário.
Parece algo corrente com o qual até nos habituamos. Banalizar a carência alheia expulsa de nossos corações a compaixão. Endurecidos, nem notamos nosso semelhante ser humano.
Não, Maria D'Ajuda é digna de admiração. Exemplo de vida simples em terra distante, parcos recursos e baixo letramento. Abreviou da vida sabedoria. Do anos fez aprendizado.
A neta, ainda criança, prenunciava.
— Quando crescer quero ir para a faculdade.
— Que isso menina, tire isso da cabeça... onde já se viu uma coisa dessas?!
Expropriada por anos em pousadas de empreendedores sulistas que, aos olhos desatentos, romanticamente trocam a vida agitada da capital pela calmaria da beira mar, D'Ajuda seguiu sua sina de "a quem de direito carrega essa terra com todo respeito", como diria Gilberto Gil em Índigo Blue.
Após a última demissão arquitetou um pequeno restaurante na varanda de sua casa. Soube captar o agrado de sabores culinários e estéticos daqueles que vinham em temporadas. A comida, uma delícia, o espaço, agradabilíssimo!
Quando a copa do mundo veio ao Brasil, aquela neta estudiosa e dedicada a pouco ingressara na Universidade Federal do Sul da Bahia. A primeira da família, entre irmãos, pais, tios e avós a cursar o superior do ensino médio. Quanta honra lhe coube. Quanto orgulho da avó. Quão emocionante foi ouvir D'Ajuda contar essa história. Quão inesperado seria, se não fosse...
Sábia Maria D'Ajuda sabe quem a ajudou... Tempos bons de políticas que miraram as netas e filhas das empregadas e ofereceu essa oportunidade única a muitas famílias. Parece pouco, mas não. Sentir de perto engrandece, os pelos arrepiam, o coração amolece!
Prosear com Maria D'Ajuda, saborear seu arroz de polvo ao ponto e conhecer de dentro essa história entrelaçada, transformou nosso dia em puro encantamento.
Assim, a vida! O pouco que muito é!
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