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Atualizado: 13 de jul. de 2022

Gielton






"Viajar é produto de cesta básica": lema esculpido pela minha mulher e seguido à risca pelo casal. Aliás, nos enamoramos em uma viagem! Ela, exper em linhas do tempo, estimou que visitamos Dunas de Itaúnas mais de 40 vezes. Só nessa vida! Eu, rei da planilha, desde cedo computei: gasolina extra e aluguel de casa versus shopping e colônia de férias... Prazer, descanso, alegria... Saldo: positivo para as distâncias. Espremermos no apartamento em janeiros chuvosos era sinônimo de tédio. Partíamos de madruga enquanto as crianças ainda dormiam. As estradas menos movimentadas nesses alvoreceres e o sossego dentro do carro rendiam quilômetros. Dizia a mim mesmo: faço xixi nas calças, mas não paro enquanto a calma reinar dentro do carro. Afinal, um dia inteiro pilotando com crianças agitadas azucrinando os ouvidos era tarefa digna de muito cuidado. A bagagem? Imaginem... Levávamos tudo e um pouco mais naquele Gol branco de dois carburadores adquirido com o traço do giz de aulas e mais aulas. As bicicletas iam balançando, penduradas no suporte. E o medo de despencarem! No porta malas mal cabia o amontoado de coisas. Certa vez, ganhei espaço adquirindo um bagageiro de teto preso ao friso lateral. Não sou tão burro assim... Inteligentemente, coloquei, sobre o novo bagageiro, objetos leves. Um cesto, tipo um bercinho que a mamãe dedicada produziu especialmente para o bebê de pouco mais de 6 meses. Dentro dele, a banheira de plástico, mais algumas panelas, panos, roupas de cama... Tudo muito bem acondicionado. A reta era longa. A cantoria dentro do carro corria solta... ”Uma bonequinha preta, quis ver um gatinho um dia”... Aproveitei e acelerei. Faltavam pouco mais de 100 km para nosso destino. De repente, pelo retrovisor observo algo pipocando no asfalto. Rodopiando e cambalhotando feito uma perereca. Atentei. Movíamos em sentidos contrários. Olhei detalhes... Estupefei-me quando entendi. Seria possível? Era o bagageiro de teto inteiro e toda a farofada dentro que se soltara. Literalmente voou pelos ares e aterrissou sobre o asfalto como um avião desgovernado. Sorte que a estrada estava vazia. Puts... Foi foda. As vozes silenciaram-se dentro do carro. Parei e voltei. Avaliei estragos. Acomodamos tudo que restou dentro do Gol. Os ferros entortados do bagageiro ficaram pelo caminho. Seguimos viagem embolados entre cestos e banheiras... As férias foram maravilhosas! Assim, a vida! No fim tudo dá certo.


Imagem do post em <https://pin.it/2IbEOFB>

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Desde a viagem a Ibiá nos tornamos amigos inseparáveis. Ela e eu, eu e ela. O fixo era nosso ponto de partida. Dele combinávamos encontros, horários e lugares. Tudo funcionava bem sem celular. Nem relógio de pulso me permitia. Odiava "babilaques" pelo corpo. Para saber as horas? Pergunte a qualquer transeunte. Ainda fazem pose girando levemente o braço até que os ponteiros mirem os olhos. Uma bobagem!


"Canto Latino" era o barzinho predileto. Música boa, cardápio factível, amigos em todos os cantos e para todos os contos. A taça de vinho a granel era o melhor custo benefício, apesar de não apreciar nem tinto, nem branco. Fazia companhia. Disfarçava. Dali, partíamos a pé. Sem rumo. A destinos incertos. Um trivial caminhar pelas madrugadas ao seu lado era impulso de resplandecência interna. Minha luz se deleitava.


Sábados e domingos eram sagrados. Sempre arrumávamos o que fazer. Senão, um mero sorvete na Praça da Liberdade. Os assuntos corriam soltos como águas de um córrego. Manso, sem turbilhões ou redemoinhos. Reparávamos um no outro. Humores, bons ou maus, se revelavam. Escutávamos corações. Ouvíamos mentes. Era muito mais do que sintonia. Era alma. Não sei como, mas sabia.


O drama do grande amor dessa vida perdurava. Estava ali na minha frente. Convivia de perto. Tinha certeza, mas faltava coragem. O espaço entre nós tinha um limite. Ela o delineava em traços sutis. Falhas no esboço eram corrigidas antes que o tempo permitisse escape. Talvez fugisse de si mesma.


Era um sujeito partido ao meio. A honra de ser seu melhor amigo não escurecia o desejo maior. Queria mais. Queria amá-la como mulher. Queria tê-la em meus braços. Beijá-la sem restrições. Sentir entregas e desejos. Sonhava...


Naquela noite, sozinhos em uma esquina qualquer, depois de ensaiar por dias em frente ao espelho, tomei um gole de coragem e abri o verbo.


- Lelê, tenho uma coisa muito importante para lhe dizer.


Sua feição pouco alterou. Talvez minha ênfase não tenha sido convincente.


- Eu gosto muito de você...


Esperta na leitura do momento interrompeu:


- Eu também te gosto muito. Você é meu melhor amigo!


Desviou o assunto como se dobra uma esquina. Contornou meus dizeres embromando a si mesma. Disfarçou de si o que estava bem diante de seus olhos. Tangenciou como quem balança a cabeça para não sentir.


Perplexo comigo, silenciei. Sem ação, paralisei. De susto, internei. Nessa noite, chorei.


Assim, a vida! Há tempo certo para choros e risadas.


Imagem do post em <https://pin.it/51rlX7K>

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Lila era linda. Contando histórias, então, nem se diga. Emanava-lhe uma atração hipnotizante. Seus olhos faiscavam força, leveza e pureza espiritual. Estávamos, uns quatro ou cinco, em torno dela na livraria do DCE, e toda minha atenção voltada a ela. Claro que não me via como a via. Aliás, nem sei se me enxergava. Apaixonei-me outra vez. Porque isso sempre acontece comigo? Estaria minha alma perdida no meio do oceano aguardando uma boia salvadora?


As vidas cruzaram. Lila era íntima da amiga de um grande comparsa: Carlos. Aliás, a comemoração dos anos dessa amiga em comum seria no interior das Minas Gerais. Dei um jeito de ser convidado. Meu coração encheu de esperanças. Quem sabe, eu engato essa nova paixão. Sonhei platonicamente com declarações melodiosas, meigos beijos, suaves toques de mãos entrelaçadas e afagos no contato íntimo das palavras. Quem sabe? Seria a Lila meu grande amor?


Carona era o meio de transporte dos que tinham pouco dinheiro mas queriam curtir a vida, como nós. O trevo de Betim foi o ponto de encontro. Desci da lotação, meio esbaforido, apressado e atrasado. Carlos já estava a me esperar. Estremeci ao ver, ao seu lado, aquela garota que, em uma festa, meses antes, dançava rodando a saia indiana. Nos reconhecemos de imediato e a memória afetiva daquela longa conversa de boteco sobre a viagem ao Nordeste exalou. O coração quase pulou para fora de tanta força que fez ao bombear paixões do fundo da aorta.


- Essa é a Lelê e vai conosco de carona.

Apresentou Carlos.


- Olá Lelê. Lembro-me de você.


Eu disse, meio desajeitado, com medo dela não me reconhecer.


- Lembro também. De uma noite. Fizemos a mesma viagem e não nos encontramos, não é?


Ela lembrou de mim, pensei aliviado.


As mochilas, bem leves - afinal era um passeio de fim de semana - foram às costas, enquanto o polegar esticado com a mão fechada balançava livre ao vento.


Parou uma Mercedes amarela com um motorista super boa praça. Lelê, apertada entre eu e Carlos, tornou-se nossa grande atração, no sentido de seduzir nossos olhares e curiosidades. Nosso emaranhar naquela poltrona preta da Mercedes fez as linhas desse novelo se enlear ainda mais durante os festejos.


Descemos saltitantes no trevo de Ibiá, apesar de estar ainda meio acabrunhado. Era lema, nessa época, o despojamento, a sandália franciscana, os pés sujos e as ideias libertadoras na cabeça de cabelos despenteados e rostos barbados. Ah, como é bom ser jovem. Vigor, coragem e esperanças transbordavam de nosso pote de vida. Assim, borbulhando juventude, caminhamos até a casa da filha do prefeito.


Nossas vibrações, dos três, ressoaram como badalos de sinos. Entramos em uma espécie de estado de êxtase. Nossos ideais se entenderam. Passamos três dias grudados, agarrados, atracados uns aos outros. Era com se orbitássemos em nós mesmos. Passeios entre os trilhos do trem à tardinha, terminavam na madrugada com debates filosóficos de "alto nível".


Fomos cúmplices na "burguesia fede" e literalmente horrorizamos a classe política da cidade. Em uma grande festa da Nestlé, que há pouco instalara uma indústria local, os olhares dos convidados se voltaram todos para nós, os maltrapilhos e irreverentes. Nossos egos envaidecidos flutuavam sobre os rabos de olhos e cochichos mesquinhos. Ainda assim fomos presenteados com uma super caixa de bombons personalizada!

A autossuficiência era pura arrogância. Nada importava, só os três. Os velhos amigos de apenas três dias se bastavam.


Ciúmes do Carlos? Eu? Jamais... Medo? Não. Pavor... Já estava completamente apaixonado pela Lelê. A doce garota da saia indiana era muito mais do que o sonho de alguns meses atrás. Era muito mais perspicaz, mais inteligente, mais vibrante, mais linda, mais... Sua alma reluzia uma amorosidade infindável. Além do mais, sua energia combinava com a minha. Pelo menos, assim sentia. Queria-a só para mim. Egoísmo? Talvez não fosse evoluído o suficiente para partilhar o amor. Pânico? Carlos era filósofo. E eu? Um bobo! Não daria conta de me declarar. Fora jogado, por mim mesmo, à sorte.


Ah, a Lila? Voltei ao seu lado no ônibus. Sozinhos. Ela já não me interessava mais. Sentia-me livre de seu hipnotismo. Meu ser fora totalmente envolvido por aquela garota de mente aberta, corpo livre e beleza inebriante! Lelê ocupava agora todo o meu pensamento.


Assim, a vida! Atalhos no seu trilhar que nos passam despercebidos.


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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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