AGORA SIM
- Gielton
- 22 de out. de 2020
- 3 min de leitura
Gielton

Lila era linda. Contando histórias, então, nem se diga. Emanava-lhe uma atração hipnotizante. Seus olhos faiscavam força, leveza e pureza espiritual. Estávamos, uns quatro ou cinco, em torno dela na livraria do DCE, e toda minha atenção voltada a ela. Claro que não me via como a via. Aliás, nem sei se me enxergava. Apaixonei-me outra vez. Porque isso sempre acontece comigo? Estaria minha alma perdida no meio do oceano aguardando uma boia salvadora?
As vidas cruzaram. Lila era íntima da amiga de um grande comparsa: Carlos. Aliás, a comemoração dos anos dessa amiga em comum seria no interior das Minas Gerais. Dei um jeito de ser convidado. Meu coração encheu de esperanças. Quem sabe, eu engato essa nova paixão. Sonhei platonicamente com declarações melodiosas, meigos beijos, suaves toques de mãos entrelaçadas e afagos no contato íntimo das palavras. Quem sabe? Seria a Lila meu grande amor?
Carona era o meio de transporte dos que tinham pouco dinheiro mas queriam curtir a vida, como nós. O trevo de Betim foi o ponto de encontro. Desci da lotação, meio esbaforido, apressado e atrasado. Carlos já estava a me esperar. Estremeci ao ver, ao seu lado, aquela garota que, em uma festa, meses antes, dançava rodando a saia indiana. Nos reconhecemos de imediato e a memória afetiva daquela longa conversa de boteco sobre a viagem ao Nordeste exalou. O coração quase pulou para fora de tanta força que fez ao bombear paixões do fundo da aorta.
- Essa é a Lelê e vai conosco de carona.
Apresentou Carlos.
- Olá Lelê. Lembro-me de você.
Eu disse, meio desajeitado, com medo dela não me reconhecer.
- Lembro também. De uma noite. Fizemos a mesma viagem e não nos encontramos, não é?
Ela lembrou de mim, pensei aliviado.
As mochilas, bem leves - afinal era um passeio de fim de semana - foram às costas, enquanto o polegar esticado com a mão fechada balançava livre ao vento.
Parou uma Mercedes amarela com um motorista super boa praça. Lelê, apertada entre eu e Carlos, tornou-se nossa grande atração, no sentido de seduzir nossos olhares e curiosidades. Nosso emaranhar naquela poltrona preta da Mercedes fez as linhas desse novelo se enlear ainda mais durante os festejos.
Descemos saltitantes no trevo de Ibiá, apesar de estar ainda meio acabrunhado. Era lema, nessa época, o despojamento, a sandália franciscana, os pés sujos e as ideias libertadoras na cabeça de cabelos despenteados e rostos barbados. Ah, como é bom ser jovem. Vigor, coragem e esperanças transbordavam de nosso pote de vida. Assim, borbulhando juventude, caminhamos até a casa da filha do prefeito.
Nossas vibrações, dos três, ressoaram como badalos de sinos. Entramos em uma espécie de estado de êxtase. Nossos ideais se entenderam. Passamos três dias grudados, agarrados, atracados uns aos outros. Era com se orbitássemos em nós mesmos. Passeios entre os trilhos do trem à tardinha, terminavam na madrugada com debates filosóficos de "alto nível".
Fomos cúmplices na "burguesia fede" e literalmente horrorizamos a classe política da cidade. Em uma grande festa da Nestlé, que há pouco instalara uma indústria local, os olhares dos convidados se voltaram todos para nós, os maltrapilhos e irreverentes. Nossos egos envaidecidos flutuavam sobre os rabos de olhos e cochichos mesquinhos. Ainda assim fomos presenteados com uma super caixa de bombons personalizada!
A autossuficiência era pura arrogância. Nada importava, só os três. Os velhos amigos de apenas três dias se bastavam.
Ciúmes do Carlos? Eu? Jamais... Medo? Não. Pavor... Já estava completamente apaixonado pela Lelê. A doce garota da saia indiana era muito mais do que o sonho de alguns meses atrás. Era muito mais perspicaz, mais inteligente, mais vibrante, mais linda, mais... Sua alma reluzia uma amorosidade infindável. Além do mais, sua energia combinava com a minha. Pelo menos, assim sentia. Queria-a só para mim. Egoísmo? Talvez não fosse evoluído o suficiente para partilhar o amor. Pânico? Carlos era filósofo. E eu? Um bobo! Não daria conta de me declarar. Fora jogado, por mim mesmo, à sorte.
Ah, a Lila? Voltei ao seu lado no ônibus. Sozinhos. Ela já não me interessava mais. Sentia-me livre de seu hipnotismo. Meu ser fora totalmente envolvido por aquela garota de mente aberta, corpo livre e beleza inebriante! Lelê ocupava agora todo o meu pensamento.
Assim, a vida! Atalhos no seu trilhar que nos passam despercebidos.
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