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Gielton



Distraído ao celular no aeroporto






Em algum aeroporto aguardando voo atrasado.


- Pai, olha pra mim.


Era uma garotinha meiga, graciosa e espevitada. Dizia enquanto mexia na alça da mala.


O pai, concentrado ao celular.


Ela, animada, insistiu.


- Pai, olha a mágica que vou fazer.


Hipnotizado pelo brilho, manteve os olhos vidrados na telinha.


A pequena, com toda sua formosura, tentou novamente, em tom de voz um pouco mais imperativo.


- Pai, olha. Vou fazer uma mágica!


Desviou a atenção e impaciente disse.


- Joana, deixe essa mochila quieta, por favor.


- Pai, olha, só uma vez, a minha mágica.


Contrariado, virou o pescoço na direção da pequena que, naquele súbito instante, destravou a alavanca da maleta, subiu a alça, abriu os braços e sorriu como se internamente soasse "tam, tam, tam, tam".


O sorriso amarelou, os braços despencaram e o corpo se curvou ao perceber que o pai não estava mais ali. Os dedos teclavam algo "urgente".


Decepcionada, voltou a brincar sozinha. Silenciosa.


Assim, a vida! Urgências...

 

Atualizado: 14 de out.

Gielton


Nó em um arame


O que te fazia sentir adulto aos sete anos?


Foi nessa idade que ingressei no grupo escolar. Via pelo retrovisor da vida a inocência do jardim de infância se afastando. Agora galgaria outros degraus. Coisa séria de gente grande. Até parece! Fora minha dificuldade com a ortografia, até que me dei bem nessa nova fase.


Não me abalei com a vastidão do Francisco Sales. Depois do saguão, uma área aberta rodeada por salas de aula dava o tom da imensidão. Pilares em alto-relevo sustentavam o telhado cujo beiral avançava para dentro do grande retângulo central. Em tempos de chuva seguia pelo corredor, fazia a curva lá na frente para ir ao banheiro. Nada que um menino esperto, com boa visão espacial, não aprendesse rapidamente.


A jardineira listrada deu lugar ao short azul-marinho. A camisa branca de botões, por dentro da bermuda, sombreava o ar de seriedade. O sapato preto e as meias da mesma cor alcançando os joelhos, compunham a aparência de retidão. Além do uniforme ultra bem passado, minha mãe penteava meu cabelo encaracolado para o lado, como se fosse possível domá-lo. Saía de casa um brinco.


A merendeira vermelha com orifício para a garrafa de suco herdei do jardim de infância. Ganhei uma maleta com alça e fecho de fivelas, além dos lápis de cor, da régua, da borracha e dos cadernos. Estes últimos, primorosamente encapados pela minha mãe. Impressionava-me sua habilidade em cortar o plástico, dobrar os cantos e colar o durex. Ficava lisinho, sem rugas, como minha pele.


Meu pai era quem me conduzia logo depois do almoço. De casa até o ponto de ônibus era um pulinho. Ele acenava. A lotação parava. Ouvia o chiado da porta traseira se abrindo. Minha perna mal alcançava o degrau. Subia segurando-me nos corrimãos. Algumas vezes passava debaixo da roleta, outras, formava um corpo único com meu pai para atravessá-la. Havia um decreto tácito: "criança não paga".


Quase sempre escolhia a janela. Mas logo me punha de pé com o rosto colado no encosto do banco da frente. Viajava na paisagem. Pessoas transitando entre lojas, algumas muito famosas, como a Mesbla e a Galeria do Ouvidor. Carros espremidos entre ônibus. Motocicletas tirando fina. Uma confusão de pedestres...


Atentava-me preferencialmente ao interior. Encantava-me o trocador. Não sei por quê, mas considerava nobre sua profissão. Nada a ver com o dinheiro que recebia. Talvez por sua visão privilegiada.


Admirava o motorista que, a cada parada, acionava o sistema de abertura das portas. Em movimentos bruscos e coordenados mexia a alavanca das marchas a todo instante. Ficava pensando, "quanto domínio!"


O volante, maior que seus braços, exigia esforço para girar. Era preciso vergar o corpo e firmar os pés para manter o veículo na curva. Tudo muito concatenado... O motorzão no meio era estupendo, apesar de barulhento.

Quando posto a funcionar, o limpador de para-brisa me hipnotizava. Ficava paralisado vendo a borracha deslizar sobre o vidro em um vai e vem lento, arrastando gotículas e desanuviando as vista. Fantástico!


Ao lado, meu pai apontava destaques pelo caminho: "Olha, essa aqui é a Amazonas". Com pouco tempo, dominei o trajeto. Descíamos no segundo ponto depois do JK. Aí, era só atravessar a rua.


Minha mãe quase matou o meu pai quando ele revelou que havia me deixado ir sozinho para a escola. "Você é doido? Ele é uma criança!" Sentia-me digno da confiança do meu pai e seguro da minha capacidade. Sabia exatamente o ponto de descer. E no mais, atravessar a rua não era problema — havia sempre um guarda garantindo a passagem dos estudantes.


Mas tinha um medo que nunca revelei. Quase pavor que me perturbava como uma turbulência em pleno voo: e se ninguém puxasse a cordinha para acionar o sinal de parada? Ela era alta — mesmo esticando ao máximo, meu braço não a alcançava.

Em pé, perto da porta, calculava quem esticaria a cordinha — um suspiro de esperança a cada rosto que mudava de lugar.


A espera parecia não ter fim até o último segundo quando alguém se levantava, segurava a cordinha e, para alívio da aflição, soava o "peeennn".

Os ombros relaxavam. A tensão se dissipava. O medo? Esse, sim, voltaria no dia seguinte junto com o arruído do amanhecer da cidade.


A vergonha, como um caracol em sua concha, jamais sairia de dentro para suplicar: “Por favor, você poderia dar o sinal para mim?” Quantas vezes ensaiei… Quantas vezes estive à beira de pronunciar… Era como se um nó na garganta travasse a voz.


Tive a sorte de ter um anjo da guarda de plantão sempre cuidando de mim. Ele nunca faltou!


Assim, a vida. Crescemos, mesmo sem saber.

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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