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Gielton



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Você já foi a Marrakesch? Caetano, seu danado, me confundiu todo! Achei que só havia "prá lá de Marrakesch".


Não é que existe de verdade e estivemos lá!? Fica no Marrocos, um país norte africano banhado pelo Mediterrâneo, bem em frente a Espanha. Uma aventura que nem te conto.


Descemos da grande balsa em Tânger e logo fomos cooptados por um daqueles guias que intencionam intencionalmente nos extorquir. Extorquiu, mas nos conduziu...


Tudo muito novo, muito diferente. A começar pelo idioma. Falam árabe, na sua grande maioria, mas também se comunicam em francês. Os dois "bocoiós" das Minas Gerais enrolam suas línguas em um simples "merci" ou "shkran".


E para encontrar a tal pousada indicada pelo sujeito que conhecemos no trem? Apresentamos o cartãozinho a um grupo de homens à beira de um café na grande praça. Pareciam à toa! Entreolharam-se com ar de mistério. Disseram algo em árabe ininteligível, como se confabulassem uma tramoia e indicaram uma criança para nos guiar.


O medo deixou a mochila ainda mais pesada. Pensamentos ruins orbitaram, ainda mais quando nos embrenhamos em becos e mais becos labirínticos cruzando motos, bicicletas e carrinhos de mão. Entra aqui, sai ali, volta por cá... Perdidos, nos encontramos quando a portinhola se abriu e fomos recebidos pelo rapaz do trem, dono da pousada. Alívio...


Acomodados. Hora de explorar um pouco o entorno. A Praça Jemaa El-Fna, a principal e maior da cidade, estava ali, entre uma ruela e outra, bem pertinho da gente. Fácil de se perder no meio de lojinhas e mais lojinhas, todas marrom terra claro, a cor predominante das construções. Xales coloridos escorrem pelas portas, vitrines com tagines amontoados puxam a atenção, prataria de todos os preços imploram pela compra.


Caminhei marcando território visualmente. Fotografei mentalmente cada esquina e gravei o mapa dentro da minha bússola. Enquanto isso, minha companheira seguia leve, solta e deslumbrada.


Interpelei-a no entre passos:


— Vamos apenas explorar, conhecer e fazer o primeiro contato. Mineiramente como manda o figurino. Tudo bem?


Balançou afirmativamente a cabeça. Seguimos.


A praça é um deslumbre. Enorme. O calçadão ao ar livre, plano e circular, convida a vaguear lentamente entre os inúmeros ambulantes. Nos oferecem desde água a relógios, tatuagens a haxixe, tapetes a calçados, chás e comidas típicas. Tudo junto e misturado em um tipo de organização estranha aos nossos hábitos.


De repente, uma cobra começa a levantar do cesto. Mal a cabecinha emergiu, a máquina (na época as câmeras ainda não estavam nos celulares) já estava nas mãos dela. E clica daqui. Busca um novo ângulo, dá um zoom, pois chegar perto? Nem pensar...


Assistia a cena meio de menesguei quando o encantador me puxa para o centro e enrola a cobra em meu pescoço. Tudo muito rápido. Virei uma "múmia paralítica" no sentido mais literal do termo. Só não desfaleci em praça pública por que o pânico me conteve. Enquanto isso, não sei como, ouvia os cliques em um disparo frenético. Permaneci atônito enquanto o mundo girava em volta da serpente grande e grossa.


Passado o susto veio a cobrança.


— Cinquenta euros? Nem pensar.


Ela dizia invocada como se estivesse no Rio de Janeiro. Dona de si e do "pedaço", em portunhol, e apontando para a câmera continuou.


— Eu apago todas as fotos agora.


Em árabe ele retrucava.


يمكننا تقديم خصم. كم يدفعون؟ —


Não conseguia entender os xingamentos de ambos os lados. A valentia e coragem dela me deixaram perplexo. Pensei: vamos ser presos.


Entendemos depois que são negociantes por natureza. Pechinchar faz parte. Deixamos 5 euros pelas fotos!


— Tá vendo! Não falei que era só para explorarmos discretamente?


Pensou: han, han..


Assim, a vida. Repentinamente nos surpreende.


 

Atualizado: 19 de mai.

Gielton



Chacrinha



Aquele vazio… você já sentiu?


Escarrapachado no sofá, frouxo, de pernas esticadas e cabeça tombada, era como se o vazio da vida penetrasse sua alma.


Eu via, da quina da porta, sua tristeza emergir pela inércia dos sentidos.


Onde estaria aquele homem sorridente que imitava o Chacrinha depois de alguns dedos de cachaça? Os parentes, nas hilárias viagens a Guarapari, rodeavam-no para se deliciarem: "Terezinhaaaa! Quem vai querer?" E com o indicador no nariz improvisava versos em latim!


Anos depois, descobrimos cigarros escondidos no guarda-roupa. Claro, não podia fumar. Aguardente, nem pensar. Torresmo? Um veneno. E a dobradinha do buteco, cujo sabor era especial? De vez em quando, fugia com seu melhor amigo e voltava trançando as pernas como se nada tivesse acontecido.


Seguia um tratamento clínico para as artérias com pequenas borras de gordura, que dificultavam a irrigação do sangue. De vez em quando vinha a dor no peito, descia pelos braços e irradiava pelas costas. Bastava ter calma, colocar o remedinho debaixo da língua e esperar. Passava. Sempre passava.


No mais, daquele coração irradiava um amor sem fronteiras. Estendia-se para além do imaginário. Era amado pela sua energia, pelo jeito leve de levar a vida, pela empatia, pela compreensão do outro. Um homem à frente do seu tempo.


A tal ponte de safena era a cirurgia da época. Retiravam uma artéria de outra parte do corpo, abriam o peito, cortavam o pedaço entupido próximo ao coração e encaixavam uma na outra, como duas mangueiras conectadas. Quem fazia, exibia orgulhoso a cicatriz vertical no tórax, do lado esquerdo. Uma nova vida aberta pelo bisturi, como a de seu amigo, alguns anos mais jovem.


Foi atrás desse sonho. Afinal, a vida com tantas restrições cheirava a amargura, esvaziava-se de sentido. A consulta médica em São Paulo era para avaliar, pensar, examinar e, quem sabe, marcar a cirurgia. Um jeito lento e cauteloso de ser mineiro.


Só que... Os médicos de lá, os ‘bam-bam-bans”, alardearam urgência. De Belo Horizonte viajei de Cometa. Cheguei a tempo de encontrá-lo meio grogue pela anestesia pré-cirúrgica. Abriu o sorriso ao me ver. Disse: “Veio me buscar? Quero ir para casa.”


Nem curti a novidade do que poderia ser a emoção do meu primeiro voo. A cabeça levemente apoiada na janelinha de plástico, olhando para o infinito, refletia a desolação misturada à força que nem eu sabia que tinha. Na flor da minha juventude, fui escolhido para trazer meu pai de volta. A poltrona ao lado veio preenchida com sua ausência. Já não respirávamos o mesmo ar.


Assim, a vida. Não há o "se" quando ela segue o fio que a conecta com a morte.

 
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Atualizado: 3 de mai. de 2023

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E lá vem ele, de novo, falar dos netos! Vai gostar...É que o dia foi tão especial! Não resisti.


Quase madruguei na casa da Malu. Estava em uma soneca profunda quando cruzei a porta. Permaneceu em sonho enquanto a mãe partia para seu compromisso matutino. Meu papel era aguardar, mas tínhamos hora marcada.


É, o jeito vai ser acordá-la. Ficará brava ou mal humorada? Reclamará pela mãe? Ai, vamos lá.


— Maluu!


Disse bem baixinho. Remexeu!


— Vamos acordar, menina?


Sussurrei de novo cutucando suavemente sua barriguinha. Espreguiçou abrindo os olhos. Me viu. A reação foi um sorriso aberto e logo apontou para o móbile no alto.


— Que lindo! São os brinquedos da Malu?


Exclamei.


— E o beijo do vô?


Chegou pertinho para me presentear.


Foi tão fácil. Me senti amado!


Elegeu o macacão amarelo estampado de bichinhos e descemos na promessa de buscar o José, seu primo, mais do que amado: venerado.


Aceitou de boa o cinto da cadeirinha - avô tem "uma moral"!.


O encontro com José foi amoroso. Pulou no meu pescoço. Agarrei-o com força até os corações se tocarem. Esplêndido afeto tecido com fios de ouro ao longo desses quase cinco anos. O menino está crescido.


Bikes no carro, partimos.


Ao volante só escutava gargalhadas no banco de trás. Os dois vieram numa sintonia, numa "risaiada", numa tagarelice... Eu quase não me cabia. Facilitar essa benquerença, essa conexão, essa proximidade é perpetuar laços e memórias na direção da eternidade.


Um dia, há algum tempo, José surpreendeu.


— Vô, agora que eu tô grande vamos passear nós três. Eu vou na minha bike e você leva a Malu na cadeirinha.


Crescido e autônomo, cedeu seu lugar à prima mais nova no banquinho da bike onde desfrutou longas e deliciosas "bicicletadas" comigo. Muito lindo! Ele pode até ter esquecido, mas eu não...


Ajeitei tudo para pagar a promessa e desenhar a realidade com o pincel do sonho. Antes, porém, alguns combinados.


— José, fica perto de mim. Não atravessa nenhuma rua e blá, blá, blá...


Avô tem "uma moral" danada. Porquê será? De fato, foram apenas dois quarteirões em calçadas largas e pouco movimentadas até a praça. José brilhou!


Aí nos esbaldamos. O neto se mostrava. Em pé na bike pedalava com destreza. Às vezes brecava repentinamente derrapando a roda traseira. Ziguezagueava serpenteando os obstáculos do largo. Enquanto isso, Malu do alto de seu trono herdado, vibrando perto do meu coração, admirava. Nos amamos enquanto o Sol traçava aquele pedaço de céu.


Fico pensando: de onde vem e como cabe tanto amor!


Assim, a vida. Netos? Das melhores coisas que aconteceram na minha vida.


 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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