Atualizado: 29 de nov. de 2023
Gielton

— Sinto— me cansada. Os sonhos me atormentaram a noite toda.
— Nossa! O que houve?
Era frequente contar seus sonhos noturnos.
— Eu flutuava. De repente, perdia o controle e caía. Permanecia de pé. Havia um senhor muito magro sentado sobre a pedra e, ao fundo, a neblina cobria a vista. Tudo parecia muito real. Minhas pernas bambearam e meu pânico de altura maquiou— se em pura vertigem. Por trás da turvidez um grande desfiladeiro despencava próximo ao homem cadavérico. Bastaria um pequeno movimento para rolar cânion abaixo. Fiquei apreensiva. Permaneceu silencioso e imóvel encarando— me. Seu olhar traduzia certa desafeição, como se eu fosse alguma inimiga. "Sinto muito", foi o que ouvi antes dele se desfazer em fumaça e sumir na cerração.
— Pesado... O que acha que significa?
— Não sei.
— Seria algum sinal?
— Talvez.
De uns tempos para cá, o casal inclinara— se para os mistérios do além. Na juventude, ambos, ao seu tempo e modo, negaram religiões. Ele, de racionalidade horizontal, não via sentido em liturgias vazias de intenções por detrás. De rara sensibilidade correndo pelos vórtices, ela, bem nova, trocou as bíblias pela literatura. Sintonizaram em suas crenças no encontro de juventude, quando, ardentemente se apaixonaram. Pode ser que os descaminhos da vida o conduziria a outras reflexões. Afinal, o filho único, já crescido, estava pronto para a partida. Os cabelos levemente engrisalhados eram uma boa medida do tempo. Como se fosse necessário recomeçar. Havia ainda algo a ser feito. Algo a ser transformado.
<Imagem gerada por Inteligência Artificial>