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Gielton



Distraído ao celular no aeroporto






Em algum aeroporto aguardando voo atrasado.


- Pai, olha pra mim.


Era uma garotinha meiga, graciosa e espevitada. Dizia enquanto mexia na alça da mala.


O pai, concentrado ao celular.


Ela, animada, insistiu.


- Pai, olha a mágica que vou fazer.


Hipnotizado pelo brilho, manteve os olhos vidrados na telinha.


A pequena, com toda sua formosura, tentou novamente, em tom de voz um pouco mais imperativo.


- Pai, olha. Vou fazer uma mágica!


Desviou a atenção e impaciente disse.


- Joana, deixe essa mochila quieta, por favor.


- Pai, olha, só uma vez, a minha mágica.


Contrariado, virou o pescoço na direção da pequena que, naquele súbito instante, destravou a alavanca da maleta, subiu a alça, abriu os braços e sorriu como se internamente soasse "tam, tam, tam, tam".


O sorriso amarelou, os braços despencaram e o corpo se curvou ao perceber que o pai não estava mais ali. Os dedos teclavam algo "urgente".


Decepcionada, voltou a brincar sozinha. Silenciosa.


Assim, a vida! Urgências...

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Gielton


Sala de aula dos anos 80






Estava com dezessete anos. As dimensões do amor eram infinitas e ilimitadas. Amava tudo e todos. Uma espécie de explosão da alma que reivindicava, ao mesmo tempo, justiça social e paixão individual. Um querer amplo e irrestrito. O anseio por intimidades desabrochava feito vulcão em erupção. Tudo meio misturado em uma sopa de desejos.


Que sorte a minha estar, nessa época, em sintonia com minha turma de escola, onde transitavam em mão dupla afetos para além dos muros e corredores. Ser parte desse grupo era uma forma, de estar e ser, de respirar com inspiração, de trocar sem vantagens, de crescer na medida do seu tempo.


Zuamos muito uns dos outros. Aporrinhávamos o ponto fraco de fulano, muitas vezes era eu mesmo, para depois largarmos! Uma espécie de bullying sem exageros. Sacaneávamos professores que não davam conta de si mesmos. Fizemos até greve de cantina para baixarem os preços dos salgados. Foi a glória! Enfrentamos diretores autoritários e disciplinários desajeitados.


Em véus de noiva acampamos! Fizemos música ao luar. Esquentamos fogo. Nos deleitamos em cachoeiras geladas e poços negros do rio Cipó. Em um desses fomos expulsos por invadir terras alheias. Imagina, quatro adolescentes com rabinho entre as pernas levantando acampamento diante de capangas armados?


O futebol era a marca da época. Times rivais permutavam vitórias e derrotas. Depois da pelada, cocas e guaranás eram compartilhados nos mesmos copos, sem rusgas dos pontapés dados ou recebidos. Aqueles que não se davam bem com a pelota, que não era o meu caso, sofriam seus quinze minutos de goleiro e olhe lá!


Éramos bons de notas, estudiosos e dedicados. Claro que colávamos. Mais para conferir do que para lucrar. Tínhamos orgulho de nós mesmos e ninguém queria manchar o nome de bobeira.


Ontem nos reencontramos depois que a linha do tempo percorreu mais de quarenta anos. Encontro para lavar a alma, deixá-la bem passada e pronta para seguir amando. Assim me senti!


Foi como um buraco no tempo. Mais do que relembrar histórias engraçadas e reviver no semblante de cada um, com seus trejeitos e tiques que permanecem, foi a sensação de estar lá quarenta anos antes. As lembranças foram se entrelaçando em sinapses elétricas e descarregando nos corações que palpitavam felizes pelo instante interminável. Dizem que o sentimento é atemporal. Eu confirmo.


O vínculo que formamos foi um laço tão forte que este reencontro ativou memórias afetivas guardadas nas nossas profundezas, que emergiram e foram expressas pelos sorrisos e abraços que nos demos, como se o ontem fosse agora.


Obrigado amigos de sempre!


Atualizado: 7 de mai.

Gielton



Escorredor de louça sobre a pia



Eles não sabiam, mas estavam prestes a descobrir um novo jeito de amar…


Andavam grudados, agarrados um ao outro. Assim foi, desde o primeiro encontro até após muitos e muitos anos de casados. Dormir juntinhos e agarradinhos era o jeito único de ser do casal. Produziram muitas conchinhas. Lógico, na madrugada se desligavam. Afinal, sonhos são vivências próprias.


Escolheram profissões que lhes permitiam viajar juntos. Reuniam as crianças nas férias escolares e "cascavam fora" para as praias de Minas Gerais. Quem não conhece os mares no entorno de Belo Horizonte?


Hoje, a síndrome do ninho vazio, recheou o bolo da vida com calda e coberturas saborosas. Ele se aposentou, mudou-se para um canto de terra nos arredores da capital e a convidou. Ela, ainda presa à venda da "mais-valia", declinou o convite e permaneceu na antiga morada, apenas nos dias "úteis".


Eram agora um casal "moderninho": casamento híbrido. Ah, se a "moda pega" nesse modelo referência da pós-pandemia? Sei não!


No caso deles, o semipresencial vai indo. Igual a surpresa ao abrir um presente, sentimentos jamais imaginados são revelados. Como somos presos a molduras criadas por nós mesmos!


Chamadas de vídeo são atendidas em plena terça. É certo, que chegam na hora do disponível, já passado algum mau humor de qualquer energia ruim do dia.

Olhares e afetos são transmitidos. A câmera do smartphone revela uma beleza para além dos olhos. Acolhem-se mutuamente nos dramas de cada um. Há maciez e serenidade. Há disponibilidade no ouvir e desejo na língua.


Como antigos namorados, após horas de encontro à distância, despedem-se. Cada qual abraça o travesseiro do outro e o sono que vem é aquele que lhes cabe.


A saudade bate forte quando a sexta-feira se aproxima. O desejo do encontro se expande do tamanho da montanha à frente, vista da janela. Ele a espera de portões escancarados.


Na nova casa, esbarram os cotovelos sem rusgas. Da cozinha, cúmplice de parcerias culinárias, nascem banquetes a quatro mãos. O ronco da furadeira é sinal de entrega e contentamento a cada novo quadro pendurado. Ele lê para ela sua última crônica antes de ligarem a Netflix.


Mais tarde, o ranger da cama se mistura ao som do prazer quando, como em um passe de mágica, tornam-se um novamente.


Assim, a vida! O inimaginável agora é realidade.


Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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