- Gielton
Atualizado: há 7 dias
Gielton

Aquele vazio… você já sentiu?
Escarrapachado no sofá, frouxo, de pernas esticadas e cabeça tombada, era como se o vazio da vida penetrasse sua alma.
Eu via, da quina da porta, sua tristeza emergir pela inércia dos sentidos.
Onde estaria aquele homem sorridente que imitava o Chacrinha depois de alguns dedos de cachaça? Os parentes, nas hilárias viagens a Guarapari, rodeavam-no para se deliciarem: "Terezinhaaaa! Quem vai querer?" E com o indicador no nariz improvisava versos em latim!
Anos depois, descobrimos cigarros escondidos no guarda-roupa. Claro, não podia fumar. Aguardente, nem pensar. Torresmo? Um veneno. E a dobradinha do buteco, cujo sabor era especial? De vez em quando, fugia com seu melhor amigo e voltava trançando as pernas como se nada tivesse acontecido.
Seguia um tratamento clínico para as artérias com pequenas borras de gordura, que dificultavam a irrigação do sangue. De vez em quando vinha a dor no peito, descia pelos braços e irradiava pelas costas. Bastava ter calma, colocar o remedinho debaixo da língua e esperar. Passava. Sempre passava.
No mais, daquele coração irradiava um amor sem fronteiras. Estendia-se para além do imaginário. Era amado pela sua energia, pelo jeito leve de levar a vida, pela empatia, pela compreensão do outro. Um homem à frente do seu tempo.
A tal ponte de safena era a cirurgia da época. Retiravam uma artéria de outra parte do corpo, abriam o peito, cortavam o pedaço entupido próximo ao coração e encaixavam uma na outra, como duas mangueiras conectadas. Quem fazia, exibia orgulhoso a cicatriz vertical no tórax, do lado esquerdo. Uma nova vida aberta pelo bisturi, como a de seu amigo, alguns anos mais jovem.
Foi atrás desse sonho. Afinal, a vida com tantas restrições cheirava a amargura, esvaziava-se de sentido. A consulta médica em São Paulo era para avaliar, pensar, examinar e, quem sabe, marcar a cirurgia. Um jeito lento e cauteloso de ser mineiro.
Só que... Os médicos de lá, os ‘bam-bam-bans”, alardearam urgência. De Belo Horizonte viajei de Cometa. Cheguei a tempo de encontrá-lo meio grogue pela anestesia pré-cirúrgica. Abriu o sorriso ao me ver. Disse: “Veio me buscar? Quero ir para casa.”
Nem curti a novidade do que poderia ser a emoção do meu primeiro voo. A cabeça levemente apoiada na janelinha de plástico, olhando para o infinito, refletia a desolação misturada à força que nem eu sabia que tinha. Na flor da minha juventude, fui escolhido para trazer meu pai de volta. A poltrona ao lado veio preenchida com sua ausência. Já não respirávamos o mesmo ar.
Assim, a vida. Não há o "se" quando ela segue o fio que a conecta com a morte.