AMANDO NETOS
- Gielton
- 13 de nov. de 2018
- 3 min de leitura
Gielton

A manhã de segunda foi mágica. Do nosso quarto ouvi seus gritinhos de alegria matutina. Garoto feliz esse tal de José. Levantei disposto a liberar a mãe para um descanso um pouco mais prolongado. Vesti o canguru. Ele sorriu, como quem pergunta:
- Vamos passear vovô?
Entende tudo. Lê, traduz e expressa seu sentimento na lata. Não tem meio termo, mesmo quando tentamos enrolá-lo. Foi fácil encaixá-lo no canguru. Lembranças me veem. Quantas vezes coloquei meu filhos nesse "baby bag", como se dizia na época. O nosso era bege e as amarras eram de panos com presilhas de metal. Os de hoje, modernos, são mais simples e ergométricos. Meu netinho se acomodou confortavelmente e lá fomos nós para rua.
Sem pressa. A mente livre nos dá inteireza. O aconchego da criança sobre o peito trás ainda mais serenidade. Na frente, onde moram os senhorios, paramos. Uma conversa interminável se instaura. Quanta necessidade de gente eles tem. José e eu escutamos com a maior paciência do mundo. Oferecemos nossos ouvidos. Doamos nossos corações. Era hora de seguir, nos disse a intuição.
A estrada de terra batida, quase sem movimento, era um convite a uma caminhada matinal. Nada de exercício físico. Apenas um andar leve, suave, com um bom papo. Assim, fomos pela estrada afora, atentos ao canto dos pássaros, ao canto florido da estrada de margaridas e beijinhos, aos micos atravessando fios de luz entre os galhos das copas. Fomos assim, simplesmente nos amando... Andamos, andamos. E o tempo? Não sei. Não importa. Só o instante se faz presente. Nada de futuro. Nada de passado. Seria tão bom, se toda a vida fosse assim!
O Sol já castigava quando resolvemos voltar. Nesse tempo, nenhum choro, nenhum resmungo. Sinal de sintonia fina entre nós. A porta da casa estava escancarada. Adentramos. As meninas ainda dormiam. Sabiam, no entanto, que a manhã já avançava. Preparamos o café. Na mesa, enquanto o pão na chapa era preparado, José, no carrinho, bem sentado, brincava com sua estrela brilhante. Isso, uma estrela grande de plástico branco com um LED lá dentro. Boa para sentir como os olhos, a boca, a mão e o corpo todo. Logo vinha a reclamação quando escapava entre os dedos. Era só recolocar. Seu semelhante diante de sua estrela é de puro êxtase.
As meninas iniciaram um papo sério. Percebi que deveria deixá-las. Peguei o José e fomos para o canto da casa onde a sombra penetrava. Previ que poderia estar com sono, apesar de ainda não demonstrar. Criança é assim, luta contra o sono quase sempre. Aproveitam menos a vida quando dormem? Estava ligado a tudo. O pescoço firme deixa a cabeça levantada e os olhos atentos. Como se nada pudesse lhe escapar. Cantei. Nananina, nananina, nananinanana... Busquei dentro de mim uma paz para lhe transmitir. Nada. Estava agitado. Pensei.
- Talvez não esteja com sono.
Foi a conta. Abriu o bocão em um bocejo arrasador. Permaneceu alerta, resistindo. Insisti. Mantive a calma. Continuei cantando e tentando tocar sua energia. Coçou os olhos. Mais sinais. O som da minha voz penetrou um pouco mais. Relaxou, bem devagar até pegar no sono. Ninei um pouco mais antes que acordasse de sobressalto. É preciso confiança para tamanha entrega. Uma honra para mim.
Dormiu uns quarenta minutos. O tanto de costume. Deu pequenos gritos como quem diz.
- Acordei, gente. Venham me ver.
Larguei o celular. Abriu um sorriso sincero de reconhecimento.
- Ei vovô!!!
Estou treinando minha entrega. Deitei-me ao seu lado. Vimos juntos a claridade por entre as frestas das telhas. Senti seu fascínio. Estávamos juntos de novo. Conversamos com os olhos. Pude ler em sua feição tons de bem estar. Antes que enjoasse mudei o jeito. De barriga para cima o mantive sentado apoiado em minhas pernas. Suas mãos abraçaram meus indicadores e, com um pouco de força, levantava-se. Quando suas costas se soltavam das minhas pernas, dava um pinote para trás. Aprendera a contrair conjuntos de músculos que permitiam esse movimento. Repetiu, repetiu, repetiu... Como se uma nova descoberta precisasse ser incorporada, aprendida, dominada. Ou, simplesmente, pelo puro e único prazer de brincar. Crianças brincam desde muito pequenas. Ríamos juntos a cada novo pinote. A dois nos amamos um pouco mais. Nos encontramos em um instante único, singular. Como se o mundo em volta parasse e ficássemos só nos dois, em estado de simbiose, de trocas casuais entre nossas almas.
Netos, para que tê-los, senão para amarmos!
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