AMORTECEDOR
- Gielton

- 11 de dez. de 2018
- 3 min de leitura
Gielton

Os pés doíam. Especialmente a sola do direito. Meu corpo dizia algo. Seria reflexo das corridas? Talvez. Eram tão boas com Zé Pequeno, meu fiel escudeiro.
Uma greve de caminhoneiros trouxe filas homéricas por algumas gotas de combustível. Quem se lembra? Uma ideia. E se eu for de bike para o trabalho? Reduzo o impacto dos pés com o chão e não consumo combustível.
A velha magrela, tão desgastada, depois de pequenos ajustes estava pronta a ser montada e pedalada com novas vontades e desejos. Desejo de reinventar o próprio caminho.
Fui percebendo aos poucos mas, de cara, notei o olhar ampliado, como se uma enorme lente de aumento fosse implantada diretamente na retina.
Tudo pareceu maior e mais perto. Com o foco no pneu girando vê-se nitidamente os detalhes do trajeto. Pedrinhas pretas incrustadas no asfalto ressaltam aos olhos. Na verdade, ali sempre estiveram, invisíveis. Agora sim, fazem sentido. Espalhadas entre a massa asfáltica dão liga e textura ao piso, deixando-o menos rugoso aos olhos da borracha. Porém, pronto a esfolar qualquer pele sensível que por ventura resolva enfrentá-lo. Todo cuidado é pouco!!
Quando o pescoço se apruma adentra-se a um mundo de emoções. Ah, o vento flamejante nas descidas dão uma agradável sensação de frescor. Como se, de repente, a vida se tornasse mais eletrizante, embalada pelo prazer da velocidade percebida através do ar que penetra suavemente a gola da camisa atingindo providencialmente o peitoral. Coração taquicárdico quase engolindo a si mesmo após o esforço da subida até a Contorno recebe agora, esse toque de descanso e aconchego que invade seus contornos protegidos por tecidos e ossos.
As pessoas estão tão perto! Posso ver detalhes dos rostos, antes distantes nas calçadas, enquanto permanecia no mundo fechado pelos vidros. Agora não, trabalhadoras e trabalhadores. Gente simples cuidando do seu sustento na dureza da vida, na dureza do trabalho. Quem seriam? Empregadas domésticas, vigias, atendentes de padaria? Não importa, o humano se apresenta sem vestes, despido de proteções como se me livrasse de uma armadura metálica. Posso sentir os transeuntes, olhar nos olhos, sentir perfumes ou odores. Cruzar no sinal e dar sinal de passagem por um aceno com a cabeça. Passe, é sua a preferência!!! Observo semblantes... Alguns dispersos, outros atentos. Sorrisos, às vezes, parecem brotar de uma noite bem dormida. Preocupação... Penso. Quanta alma, quanta vida. Que sentido tudo isso teria senão para crescermos juntos nos ajudando uns aos outros?
Os buracos da rua, mesmo os menores se tornaram incômodos. Talvez pela pouca habilidade no manejo da bike, pela pouca simbiose entre ciclista e bicicleta. Como um cavaleiro que pula na cela do animal trotante, sinto o selim subindo e descendo a cada pequena rachadura do caminho. A mão, por mais firme a segurar o guidão, sofre impactos desconfortáveis.
Na loja de bicicletas peço:
- Queria um amortecedor. - Temos esse modelo, o melhor, mais leve e eficiente - apresentou o vendedor. - Quanto? - indaguei pelo preço.
Consultando no computador...
- Quatrocentos reais. - Nusga!!! - Temos outros modelos mais em conta - consertou o vendedor à tempo. - Quanto tempo demora para instalar? - perguntei na expectativa... - Você quer dizer, quantos minutos? - acalmou o vendedor.
Saí de lá com amortecedor novo... Sabe, aquele que alivia a pancada, torna o difícil mais suave, reduz a tensão.
Assim, a vida. Um aparato simples e barato para amortecer a dor e tornar mais fluída as trilhas da existência.



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