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COISAS DE PAI

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 6 de ago. de 2020
  • 3 min de leitura

Gielton


Era muito jovem quando meus filhos desembarcaram dos céus. Aterrizam como anjos. Nos encantam ao primeiro olhar, ao primeiro choro, ao primeiro aperto de dedos. Tive muito pique e energia para acompanhar a infância deles. Isso foi bom, mas não fácil. Adaptar-se às adversidades da vida a dois, entabular uma carreira profissional e carregar o fardo dessa enorme responsabilidade, daria muitos anos de terapia. Que nada, nem grana para isso tínhamos na época. Vai-se, então, vivendo. Deixando as emoções atravessarem brechas estreitas até encontrarem atalhos no curso. Ou não, embolando-se cada vez mais nas dúvidas e incertezas.


Só sei que brinquei muito com eles. Era parquinho, bicicleta, futebol e o escambau. Adorava contar histórias. Incorporava personagens. Criava, aumentava, docificava... Havia um ritual, em especial, que sentia, no brilho dos olhares, uma espécie de fascinação e deslumbramento.


Dizia. Não tenho medo dos animais ferozes. Sabe o que faço se um leão me atacar? Fico esperando - de pé abria as pernas em posição de defesa. Quando ele avançar, agarro vigorosamente sua juba com as duas mãos - e tremia os braços e fazia aquele olhar de enfrentamento ao felino com o pescoço contraído em veias pulsantes. Depois de dominado, eu giro, giro - gesticulava sincronicamente a descrição - e jogo laaaaá na África.


Perplexos com tamanha valentia, as crianças emudeciam. Antes que dissessem uma única palavra, continuava.


E se fosse um elefante? Esse era mamão com açúcar. Espero quieto enquanto ele vem em disparada. Quando estiver quase chegando, desvio o corpo, seguro sua tromba e depois rodo, rodo e solto. Sabe onde ele iria cair? Na África!


Teve uma vez que um jacaré quase me atacou. Eu estava deitado a beira do lago. Levantei-me rapidamente. Quando se aproximou e abriu sua bocarra, agarrei nas duas extremidades com arroubo. Os dentes afiados como lâminas quase me atingiram mas, bravamente, fui abrindo sua boca - imitava com gestos essa força enorme, tremia os braços e em um grito só fazia "track" - até quebrar sua boca e parti-la ao meio. Depois, arrastei seu rabo e girei, rodei, rodopiei e lancei-o na África.


As crianças adoravam e vez ou outra pediam para contar as histórias de pai herói. Inventava novas valentias, recriava novos personagens e imaginava outras bravezas.


Era mês de julho. Todos já adultos em uma viagem de férias, em família, para a Amazônia. Acomodados em um bangalô de palafita, na região do rio Solimões, ouvíamos, à noite, uma infinidade de sons próprios da floresta. Como uma orquestra de infinitos instrumentos, o barulho de minúsculos insetos se misturava ao tinido das árvores que pareciam falar entre si, em voz alta. Coisa mais linda!


Numa das noites saímos em um pequeno barco para a tal "focagem do jacaré". O caboclo à frente conduzia o barqueiro a navegar por entre igapós e penetrar rio adentro. Já estávamos bem enfiados no mato quando, de repente, de uma vezada só, ele, na rapidez de um bote de uma cobra, impulsionou sua mão para dentro da água e trouxe, de volta, um pequeno jacaré. Era filhote e não deveria ter mais do que uns quarenta centímetros. Dominou o bicho segurando com uma das mãos sua cabeça, já imóvel, e a outra o rabo. Docemente, movimentou-se em minha direção e disse:


- Senhor, por favor, segure o réptil enquanto eu remo para nos tirar dessa área antes que os pernilongos nos ataquem.


Não pensei duas vezes. Olhei para o pequeno crocodilo. Escutei o medo que me tomou. Tomei o remo nas mãos e disse.


- Pode deixar que eu remo, moço!


Tamanha foi a minha eficiência que em poucos segundos estávamos no meio das águas, livre dos insetos. Descobri naquele dia que, provavelmente devo ter sido canoeiro em outra encarnação.


Até hoje os risos escorrem soltos sobre as laringes e descem como gargalhadas de memórias infantis de um tempo de fascinação cravado na história, quando, nos encontros de família, esse caso é revivido.


Assim, a vida. Todo pai herói tem sua canoa de ceifar fantasias.


Imagem do post em <https://pin.it/4FdEyw8>


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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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