top of page

CONFIANÇA

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 10 de mar. de 2021
  • 2 min de leitura

Atualizado: 16 de mar. de 2021

Gielton



Transcorreu tudo muito rápido. O primeiro, mal olhou nos meus olhos e, categoricamente, afirmou:


— Não faço esse tipo de trabalho. Não compensa financeiramente.


Deixei o ambiente. Apesar de bem decorado, inóspito. Prossegui pensativo: Quanta algidez nessas palavras. Duras e secas.


Na manhã seguinte a cena imitou a precedente. A sala era fria, não que a temperatura estivesse baixa, era o ar carregado de indiferença e interesses escusos.


— É necessário certa urgência. Tome esse papel e aguarde a ligação da secretária. Ela resolverá toda a burocracia.


Atingi a antessala desiludido. Um papelzinho com um número de telefone passado por debaixo da mesa? Estranho. Aí tem! Esse prestava o serviço, mas o cifrão volteava os olhos.


Dois dias depois aguardava para atendimento em outro guichê. Os cadastros são, em geral, muito chatos. A atendente era bonita. Meu desassossego nem permitia apreciá-la. A espera foi longa... Tudo na vida passa!


— Conheço demais! Então vocês foram colegas de científico? É uma pessoa admirável.


Elogiou meu amigo que o indicara.


Senti-me em casa. Acolhido. O papo reto na direção certa, contornava serpenteando afetos que me conduziram a um estado de confiança. Em nossa capital provinciana encontramos rápidas conexões. Mundo pequeno, né? Enorme nas possibilidades, nas sincronias, no acaso nada aleatório, mas repleto de intenções amorosas por detrás de outro mundo não visto através de raios de luz.


Tudo acertado, sem meias palavras e interesses encobertos. Sim, o certo, o justo, o coerente. Nem mais nem menos. Na medida do que nos cabe a cada um.


O dia chegou, finalmente. Tudo se deu em menos de uma semana da primeira consulta. Apreensivo? Claro. Afinal era minha visão que estava em jogo. Medo? Óbvio. Como seria possível bisturar parte tão sensível? Deve doer, certamente. Gastura só em imaginar. Tenho pânico da sofrência física. Prefiro a segurança do controle, o apego a cordas ou corrimões que nos protegem de abismos indecifráveis. Não, dessa vez, estaria em mãos alheias. Seriam firmes? Cuidadosas? Precisava contar com isso!


Semelhava uma cadeira de dentista. Luzes na face! Posição oblíqua. A anestesia local entrou fácil e vertiginosamente empalideceu sensores. Uma máscara vedava meu olho esquerdo. Através de um orifício, via toda a movimentação no direito. Vai, pega algo. Volta. Futuca. Retorna com outro instrumento. No início comichão, músculos rígidos. Atenção total, como se fosse possível fazer por ele. O sofrimento não veio. A dor não se manifestou. Nada sentia, apesar de tentear.


Relaxei. Entreguei-me ao outro. Mobilizei energias e pensamentos. Senti presenças. Estávamos acompanhados. Algo me dizia ser a melhor forma de estar. Confiar, deixar-se amar. Sim, um ato de amor tocar o outro em nome da cura.


Minha mulher aguardava na saída. Companheira para todas as lutas. De olho manco a abracei e agradeci. Um curativo tapava minha visão. O coração tinia esperança.


Imagem do post em <https://br.pinterest.com/pin/523050944228952735/>

Comments


Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

  • Ícone de App de Facebook
  • YouTube clássico
  • SoundCloud clássico
bottom of page