COROA DE FRADE
- Gielton
- 4 de fev. de 2020
- 2 min de leitura
Gielton

Abandonou os cuidados com a jardineira desde quando a vizinha de baixo queixou-se das pétalas das flores entupirem o ralo da sua varanda. Vê se pode!
Da rua, a grande janela do terceiro andar, era sem graça, sem plantas, sem cor, sem cheiro... Apenas um grande vidro, acima do pequeno jardim desativado. De vez em quando, a cortina fechada isolava ainda mais o apartamento do resto do mundo.
De cima, da janela para a rua, a terra seca marrom fosco e sem vida simbolizava a tristeza de um tempo de aparente descuido. Meses de chateação com a moradora do segundo andar.
A planta verde, às vezes florida, debruçando-se sobre a cerâmica dava boniteza à fachada do prédio. Trazia sentido àquele cubículo premeditadamente construído para enfeitar os olhos de quem passa pela rua. Fazer o que? Priorizou a política da boa vizinhança.
Tempo é aliado na transformação de energias que se acumulam. Tempo é amigo dos pensamentos armazenados e dos sentimentos que se diluem.
Os cactos do terraço olharam para ela e, delicadamente, disseram: "você pode deixar sua jardineira linda conosco". Foi a deixa. Que dica!
Arrumou tudo novamente. Dos pequenos vasos, diretamente para a terra da jardineira, foram mandacarus, almofadas de alfinetes, cacto de pera, cacto San Pedro... Não contratou floristas. Usou do seu bom gosto e, com a ajuda do filho do meio, replantou um a um, compondo um conjunto harmonioso de verdes, espinhos e flores. Detalhe, as suculentas não pendem sobre a mureta.
Faltava a "coroa de frade", com o qual se encantara em uma visita a amigos. O espaço reservado entre as pedrinhas brancas a aguardava. Ocuparia seu lugar em sintonia com os vizinhos sem competir por água ou sol. Tem para todos.
Entre uma e outra compra de natal se deparou com a raridade numa flora. Caiu para trás quando a atendente disse-lhe o preço: 900 reais! Talvez tenha que desistir, pensou.
O mundo dá voltas. Tudo pode fluir a favor quando se está conectado. Ela não sabia, mas na Serra da Capivara uma "coroa de frade" a esperava. Quantas e quantas apreciou nas pequenas trilhas em plena caatinga piauiense. Encrustadas entre pedras, soltas na imensidão, grudadas como casais ou solitárias que nem ermitãs. Lá, "coroa de frade" é mato.
De longe avistou, na porta da lojinha de artesanato no Povoado do Mocó, seu sonho de consumo do agora. Os espinhos quase perpendiculares ao corpo arredondado contrastam com uma auréola rosa no alto da cabeça. Ela perguntou ao guia local.
_ Será que ela vende?
A negociação foi ligeira. Em menos de dois dias, embalada em uma caixa que encaixou como uma luva, a "coroa de frade" despachou-se no guichê do chek-in para um longo voo até sua nova casa.
Aquela "coroa de frade" ocupou seu trono na jardineira. Era só o que faltava! Ah, o preço? Vinte reais!
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