DE GRAÇA?
- Gielton

- 13 de jul. de 2018
- 2 min de leitura
Quem acordaria, em um domingo, às cinco e meia da manhã, para trabalhar, de graça, em plena estreia do Brasil na Copa do Mundo da Rússia?
O celular desperta, e sigo o ritual do dia-a-dia. Desço, coloco água no fogo. No retorno, tiro o pijama - uma bermuda qualquer de pano com uma camisa velha - subo na balança e memorizo, para, depois do café, anotar na planilha. Visto a roupa. Com a água já quente, coo o café. Esquento o pão na torradeira, passo duas talagadas de manteiga e quase engulo.
Os equipamentos já estavam previamente organizados desde a noite anterior. Desço os três andares com mochila nas costas e um monte de outras tralhas penduradas pelo pescoço. O carro quase arreia, de tanto peso.
Em quinze minutos estava no centro: Hotel Dayrel. Nas costas, vão as caixas, pedestais, microfones, violão... Uma parafernália, adquirida ao longo de muitos anos. Alguns professores, muito solícitos, ajudam. Rapidinho, questão de meia hora, estávamos passando o som, escolhendo graves, timbres, efeitos... Cuidando do retorno... Cada detalhe é importante. Passamos as três músicas. Nossa, o sax é lindo. Que sonoridade!!!
Pronto, largo tudo e volto para casa. Banho, meditação. Isso, gosto de parar tudo por um tempo, sentir a energia do corpo, entrar em outra vibração, sintonizar, equilibrar os chacras. A cabeça a mil dificulta penetrar nas profundezas da alma. As canções ressoam na mente, quase como se o som, de ondas mecânicas, vibrasse o tímpano.
O celular desperta de novo. Hora de retornar. A previsão era tocarmos às 10 horas, mas professor fala demais. Já viu, né? História, então, nusga!!! Entrou nos meandros das leis abolicionistas do século XVII no Brasil. A cada novo slide eu pensava: deve ser o último. Os pré- vestibulandos, atentos, anotam detalhes.
A ansiedade vai, aos poucos, tomando forma. Lentamente, invade o estado do ser. Haja concentração capaz de controlá-la. Entro no salão, saio... Entro de novo, saio de novo... Vou ao banheiro. Bebo água. Sento-me no hall. O professor não para de falar. Sua voz está distante, longe, longe! Quase não a percebo. Tento entrar em mim. Fico absorto. O tempo muda seu ritmo. Marcha a passos lentos. A hora parece nunca chegar, até que Marcus entra em cena. Fez como combinado. Falou rapidinho dos estilos musicais e nos chamou.
Davi e eu subimos. Grande, o teatro. Umas quinhentas pessoas. Não tive medo. Não fiquei nervoso. Sabia que cometeria pequenos erros, mas acertaria outros tantos acordes e notas musicais. Estávamos bem ensaiados, apesar de as músicas serem complexas. A primeira, "Nas Veias de Brasil", um samba enredo. Mantive firme a batida rápida do violão, enquanto Davi segurava o ritmo no pandeiro. Cravado, quase o tempo todo. Marcus, no sax, arrasou.
Aplaudidos de pé. Isso não importa tanto. Claro, reconhecimento é sempre bom. Melhor é reparar a face, antes combalida, agora sorridente. O olhar parado, típico de aula expositiva, se tornar vibrante e alerta. A caneta batucando, sutilmente, na mesa. O balanço tímido dos corpos, quase sem querer. Música ao vivo toca as pessoas, preenche os quinhões do espaço, reviva a alma, espanta os males!
Quem acordaria às cinco e meia da madruga para trabalhar de graça? Quanto vale?
Revisão: Maria Lucia Pompein Pessoa



Comentários