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DRAMAS E DORES

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 26 de ago. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 27 de ago. de 2020

Gielton



Estava lá com meus dezenove anos e algo me atormentava, apesar de não identificar claramente esse treco estranho. Uma espécie de tristeza contínua, uma angústia cortando o peito, uma sensação de que algo precisava acontecer.


Via pelo retrovisor a adolescência se afastando. As marcas deixadas daquele tempo de incertezas formavam o jovem que despertava com novas indagações da existência. Constatei, olhando ao reverso meus amigos de científico, que não queria uma mulher por querer. Não me atendia a alma o sexo efêmero, casual, apesar de nunca o ter feito assim. O jovem que aflorava aspirava um amor grande, tão amplo quanto o infinito e tão duradouro quanto a demora.


Vivia ainda com meus pais no Santo Antônio. A rua Abre Campo era tão íngreme, mas tão íngreme que toda a calçada era uma escadaria só. Depois do "trec" do último portão do prédio estava no passeio. Degrau a degrau alcançava o topo. Sozinho estava.


Seguia meu caminho absorto. A cada esquina flashes de pensamento cruzavam a mente. Ela vagava tão longe quanto o horizonte. Transpunha edifícios. O medo do amor soprava como um vento no vão entre os prédios. Encontraria alguém de verdade? Dobrava a próxima quina. Vencia estreitos entre árvores de rua e muros das casas. Nesses afunilamentos o turbilhão de sentimentos engasgava-se na aorta e faziam doer o coração. Nem os buganvilas roxos despontando sobre o alto muro da mansão da frente abrandavam a sensação de estar perdido em um mundo ainda mais perdido do que eu mesmo. Não tinha olhos aos sons. Amargura era a cor do fragor que retumbava em minha cabeça.


Quase na Contorno, parava em frente à casa e apertava o botão da campainha. Vinha me acolher a Heloísa. Ela sim, já dona de si, tinha sua própria casa, morava por si só e a si cuidava. Era independente, autônoma. Pagava seu aluguel, sua comida. Tinha seu próprio trabalho. Ganhava sua grana. Era jovem como eu, apenas alguns invernos na minha frente.


Engraçado! No fundo, no fundo, queria o mesmo que eu. Parecia resolvida, mas lamentávamos juntos as mesmas dores. Nos abrigávamos um no outro como um cobertor de lã que impede o fluxo da vida. Fomos cúmplices. Trocamos figurinhas. Apenas amigos que se identificavam na falta, no desejo de alguém para amar, no receio do destino afugentar a pessoa almejada.


Um dia assisti uma moça dançando solta, livre, de saia indiana a rodopiar na pista. Era uma festa de amigos. Minha timidez não deixou que me aproximasse. Apenas sonhei platonicamente. Nesse dia senti a vida sulcando fendas, desatando nós, abrindo clareiras em mim. Inflei-me de esperanças!


Imagem do post em <https://pin.it/2TcMWxX>

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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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