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FALA CRONOMETRADA

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 18 de fev. de 2020
  • 2 min de leitura

Gielton


No início eram só os quatro: pais e um casal de filhos. Habituaram a viagens juntos. Um cultivar intencional das relações familiares em busca de amores e afetos. Areias brancas ou marrons, finas ou mais grossas já estiveram no cardápio das praias do nordeste que conheceram. Para além-mar também estiveram. Em uma dessas, de destinos mais longínquos, vagaram de automóvel de casa em casa alugada, economizando cada centavo de euro. Caminharam por ambientes inóspitos e desérticos nas Américas. Aventuraram por Gêiseres em madrugadas geladas. Havia, no entanto, uma praia preferida no norte do Espírito Santo. Esse pequeno lugarejo era o refúgio da liberdade. As crianças transitavam soltas pelas ruelas da vila. Pés no chão e espírito no ar. Dunas para subir e rolar. Sentiam-se amparadas pelo grupo de amigos que comungavam de ideais libertários afins. Dessa vez, nesse último janeiro, fora diferente. As crianças "adulteceram" e trouxeram na bagagem noras e genros. Nem tudo era ou seria como antes. A mãe dedicada agora se irrita com a folga dos jovens. Enveredam noite adentro deixando um caos esparramado pela casa. A cozinha então, nem se fala. As conversas, atualmente mais profundas, tornaram-se debates filosóficos. Na mesa do café a filha mais nova comenta. - Mandei uma real para a Bárbara. Estava se achando.

- Como assim? - Retrucou o irmão.

- É isso. Julga-se a feminista e se submete a um cara tosco. Até que bonitinho, mas preconceituoso na alma. Disse que as mulheres deveriam investir na sensibilidade e feminilidade. Acredita nisso?

- Mas, isso é ruim? - Perguntou a mãe.

- A mulher pode investir naquilo que quiser. Se preferir dedicar-se à carreira profissional é escolha dela. - Completou o irmão.

Simone, sua recente esposa, mesmo um pouco mais silenciosa, palpitou.

- Eu, por exemplo, tive filho nova. Cuido dele da melhor forma, mas trabalho feito louca. Hoje prefiro dedicar-me à minha espiritualidade, ao meu corpo... O assunto rendeu. Foi longe, longe... Fez curvas e voltou. Se prolongou como numa dimensão desconhecida. Os neurônios de cada um pululavam ansiosos por suas vezes de manifestar. Roberto, o pai, interveio. - A verdade é como uma cenoura na frente do burrinho na qual somos o jumento! Não a alcançaremos jamais. Tenho uma teoria. Nós, seres humanos, temos enorme necessidade de... Vagou por sua teoria defendida com sólidos argumentos, gesticulando contra as interrupções do raciocínio. Encontro-me com Roberto no dia seguinte. O mar como pano de fundo e o Sol em primeiro plano. Vimo-nos de longe. Depois das manifestações de carinho corriqueiras, abraços afetuosos e trocas de gentilezas, desabafa comigo. - Cara, eu fico ouvindo em silêncio, por quarenta minutos o debate com o pessoal lá de casa. Quando abro a boca para expor minha teoria, dizem que estou falando demais. Queriam cronometrar minha fala! Assim, a vida. Injustiças...

 
 
 

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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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