top of page

HISTÓRIA DE AVÔ

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 28 de mar. de 2019
  • 3 min de leitura

Atualizado: 6 de abr. de 2019

Gielton






Seu Zinho, homem alto, esguio, de andar lento e calmo foi meu avô paterno. Lembro-me muito bem dele. Teve época, quando em tratamentos médicos em Belo Horizonte, que nossa convivência se estreitava, pois dormíamos no mesmo quarto. Rolavam altos papos. Bons, maduros, sensatos. Dizia para minha mãe:

- Quando meu neto abria o livro eu já sabia, virava para o canto para deixá-lo em paz com seus estudos.

Envelheceu com sabedoria. Sabia acolher sem julgamentos. Entrava no papo dos jovens com a maestria de um adolescente. Tangenciava quando necessário. Mas, o melhor mesmo era sua energia. Contagiante... Bastava ficar perto para se sentir revigorado. Como se algo lhe emanasse e nos penetrasse lentamente, trazendo bem estar e equilíbrio.

Esses dias me encontrei com tia Luíza, irmã do meu pai e filha do Vovô-Zinho, como os netos costumavam chamá-lo. Na mesa, enquanto pizzas quentinhas eram servidas, nos deliciamos com uma de suas pitorescas histórias.

Vovô foi carcereiro em Conceição do Mato Dentro, "interiorzão" das Minas Gerais. Isso mesmo, seu trabalho era vigiar e cuidar dos presos. Naquela época, década de 1930, imagino os delitos de alguns. Ladrão de galinha, briga no bar por conta de cachaça, desentendimento com vizinho... Fora, os fora da lei: assassinos profissionais, capatazes de ricos fazendeiros.

Seu Zinho, cara boa praça como nunca, era amigo dos presos. Mamãe contou recentemente que depois de pagar as contas da casa, investia o restante do salário em doce de leite e queijos para os detentos. Imagina isso?!!

Certo dia, depois de um banho de sol mais prolongado, dois cabras fugiram pela porta da entrada. Assim que o acontecido aconteceu ele foi comunicar ao delegado. Mesmo sendo parente próximo não deixou por menos.

- Seu Zinho, isso foi uma grande irresponsabilidade sua. Como foi possível esses presos escaparem? O negócio é o seguinte. Se não recapturá-los, quem irá para a cadeia será o senhor!

Apertado, meu avô arrumou dois companheiros e três cavalinhos para iniciar a busca aos fugitivos. Imagino que, naquele tempo, não tinham como ir muito longe. À pé e sem oportunidade de conseguir qualquer tipo de transporte, só restava aos prisioneiros perambular pelas montanhas e pastos das fazendas da região.

Três dias depois, após passar por alguns pequenos lugarejos e seguindo pistas colhidas pelo caminho, os três cavaleiros encontraram os dois cabras descansando à sombra de uma mangueira.

- Ô fulano, porque você fugiu da cadeia? - Perguntou Seu Zinho, que não portava arma alguma.

- Oras, o senhor esqueceu a chave na porta. Foi só destrancar e sair.

- É, mas vocês me deixaram numa enrascada. O delegado ameaçou me prender caso não voltasse com vocês.

- É mesmo? - Indagou surpreso o outro preso.

- Pelo que conheço do delegado, ele vai cumprir sua promessa. - Devolveu Vovô-Zinho apreensivo.

Silêncio... Instante para ouvir apenas o tremular das folhas secas pela brisa sutil que soprou.

Em Conceição, a família apavorada orava e pedia as graças de Deus para o retorno do velho carcereiro. Afinal, quatro dias já haviam se passado desde sua saída. Nenhuma notícia até então.

Naquele dia, a criançada brincava no rio de águas espelhadas e fundo tremulante, limpinho, limpinho. De repente, com os olhos apertados e a mão na testa tapando a claridade, uma delas se vira e diz.

- Olha lá, um cavaleiro vem subindo!

Daquele ponto, longe na descida da rua, apenas a ponta do chapéu trotava como um fantasma.

- Não, são três. Disse o outro.

- E ainda vem com dois na garupa.

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

  • Ícone de App de Facebook
  • YouTube clássico
  • SoundCloud clássico
bottom of page