LARANJADA
- Gielton
- 2 de out. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 3 de dez. de 2019
Gielton

O elevador chegou. Era necessário um pouco de força para abrir a porta e adentrar. O solavanco seguido do estranho ranger do motor eram o sinal. Estávamos em movimento. Lia, nas paredes branco-encardidas, os números por entre as grades enquanto atravessávamos os andares. No térreo, o piso de cerâmica cheio de pontinhos pretos, conduzia à portaria.
Meu pezinho finalmente pisava a Afonso Pena. Um mundo se abria. Transeuntes, automóveis, ônibus, carroças... Tudo era muito para quem era ainda muito pequeno.
Poucos passos na calçada eram suficientes para emparelhar com a Sapataria Americana, esquina com Tupinambás. Me enamorava com o brilho dos calçados na vitrine. Transmitiam elegância. Sapatos só para homens, como eu.
A jardineira de listras verticais com bordado vermelho no peito e bermuda curta, era o uniforme do jardim de infância. Com essa vestimenta atravessava a São Paulo e logo estava passando pela Praça Sete. No arborizado canteiro central, as Aero-willys, os Itamaratys, as Vemagets, os fusquinhas, estacionavam sem faixa azul.
As pontas dos dedos escapavam da franciscaninha. Brincava de pisar só nas pedrinhas pretas ou brancas, portuguesas, do passeio. Às vezes me embaralhava nos contornos dos desenhos. Distraía. Desistia.
A merendeira, de alça branca, a tira colo compunha o traje. A garrafinha plástica do suco transpassava o orifício. Sobrava para fora a tampa, que servia de copo. O conteúdo do lanche? Às vezes, pão de queijo, noutras... Às vezes limonada noutras...
O contato entre as palmas da mão e o entrelaçar de dedos abasteciam o pote da segurança. De mãos dadas com meus pais seguia protegido diante daquele mundão aos olhos da criança tímida e envergonhada que fui.
Andávamos até atingir o pé das escadarias da igreja que davam acesso ao Jardim de Infância Delfim Moreira. O primeiro da cidade. O alto da subida, quase interminável, era o ponto de despedida. Depois do afetuoso abraço minha mãe orientava mais uma vez.
_ Quando tiver vontade de fazer xixi, converse com sua professora.
Na volta para casa...
_ Ah meu filho, que mancha é essa na sua bermuda?
_ Nada não mãe.
_ Porque não pediu a professora para ir ao banheiro? Fez xixi na calça? De novo?!
_ Não mãe, foi a laranjada que derramou...
Assim, a vida. O xixi noturno me acompanhou até os doze anos. Foi-se de repente. Ainda hoje arrumo desculpas esfarrapadas...
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