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MENINO DA CIDADE GRANDE

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 30 de jun. de 2020
  • 3 min de leitura

Gielton


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Meu pai tinha um jipe, daqueles antigos. Em julho íamos, às vezes, para Dores de Guanhães. Era um dia inteiro de viagem sacudindo no banco de trás. Nem ligava. Era tudo diversão!


Na fazenda da minha tia, éramos recebidos com cafés e quitandas à beira do fogão de lenha. Afetos de família guardados para sempre nos cantos mais profundo do coração. Ah, os primos e primas! Eram muitos. Rolavam até paixões infantis.


O barulho do caminhar firme dos adultos nas tábuas do casarão deixava rastros de pavor. Algo no campo do tenebroso. Nas madrugadas, quando o silêncio era o dono e o breu seu parceiro, sentia medo. Não havia diferença entre abrir ou fechar os olhos. Era tudo um escuro só. Ainda bem que os irmãos estavam por perto.


- Estou com medo...

- Feche os olhos e vai dormir.


A manhã afinal acontecia e, com ela, a luz. Sempre gostei do dia, desde novo. Hoje compreendo e acato. Passava o dia com o vaqueiro. Cedinho, no curral, observava as mãos leves puxando as tetas. No balde, a cada esguichada, avolumava-se a espuma do leite. Ofertava-me um copo. Descia quentinho goela abaixo. Fracassei no dia em que me aventurei a ordenhar. Nem pingos de leite gotejaram.


Separado o soro e doado aos porcos era hora de espremer com as mãos o leite talhado. Adorava pressionar sobre a forma e sentir, entre os dedos, o líquido grosso sendo expulso. Esse movimento dava vida aos queijos artesanais que nos alimentaria mais tarde.


A mula era arriada. Arreio de carga para trazer em seu lombo cana e capim. Ia junto. Admirava-me a destreza do peão com o facão. Movimentos certeiros rasgavam os pés das plantas enquanto a outra mão amenizava a queda. Lá íamos nós, a pé, com a mula carregada para a máquina. Nusga! Como era barulhenta. Silenciava minha curiosidade. Só via cana e capim virarem pó. Alimento para o gado em tempos de seca.


Ficava triste quando, por qualquer motivo, não podiam selar um cavalo para mim. Aguardava ansioso meu tio, de cima da varanda, com pose de dono, ordenar.


- Pedrinho, busque o cavalo para meu sobrinho.


Era meu. Quase exclusivo. Dividia um pouco com meus irmãos, mas o fissurado era eu. Montava, ia até a ponte e voltava. Desmontava. Brincava de faroeste. A felicidade resplandecia quando meu primo, bem mais velho, me convidava para ir à rua. Nós dois, cada um em seu cavalo, e eu me sentindo o cavaleiro. Sabia que não, pois pulava que nem cabrito em cima daquela cela. Ele dizia: você tem que sentir e acompanhar o ritmo do animal. Sei...


Já grandinho, um dia, meu tio diz.


- Pedrinho está ocupado. Você mesmo pode buscar o cavalo. Está ali - apontou na direção do morro ao lado da casa grande.


Na pressa, desci as escadas, peguei o cabresto e parti. Abri porteira. Desci a trilha. Subi o morro. Lá estava ele. Aproximei. Ele afastou. Cheguei de novo. Andou mais para trás. Resolvi toca-lo, não no sentido físico da coisa. Era para conduzi-lo. Foi em direção à porteira. Oba, vai dar certo! Mais rápido que eu, desviou para o outro lado. Contornou o morro. Pensei: danado me enganou. Fui por trás. Toquei de novo. Contornou para o outro lado. Repeti. Já exausto tentei mais uma vez e outra mais. O equino fez a maior hora com a minha cara.


Derrotado pelo animal voltei com cara de tacho. Acabrunhado tive que aguentar a gozeira do pessoal. Deixei o choro no pasto. Disfarcei minha falta de graça. Arrumei desculpas para compensar.


Assim, a vida. Para cada cavalo, um cavaleiro...


Imagem do post em <https://pin.it/41Fv6pH>

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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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