O FACÃO
- Gielton
- 13 de ago. de 2020
- 3 min de leitura
Gielton

Nunca teve a oportunidade de usar um facão na vida. Afinal, sempre fora homem da metrópole. Seria sua primeira vez. A ideia era rasgar matos, penetra-los em novas trilhas, desvendar topografias, se deixar levar pelo desconhecido.
Era novinho em folha e sua lâmina fina tanto quanto. Estava feliz. Segurou-o firme e, antes de sair de casa, ceifou o ar algumas vezes. Sentiu-se o espadachim dos velhos filmes de reis e cavaleiros.
Os dois filhos, homens já formados, o acompanhariam. Na porta da casa brincou com a ferramenta avançando-a sobre o fino caule da vegetação que rastejava o murundu da morada em frente. O mais velho lhe repreendeu:
- Não é assim que se faz, pai.
Roubou-lhe o facão e demonstrou, sem tanto sucesso quanto. Em sua mão permaneceu enquanto caminhavam os três. Estava orgulhoso de se cercar dos filhos em uma empreitada tão masculina. Nada de machismos nessa vaidade. Apenas exultante por estar com os rebentos crescidos nessas poucas horas do fim de semana. Livres dos emaranhados urbanos.
Entre conversas, com maiores ou menores intimidades, chegaram. O mais velho, já possuído do instrumento vai a frente desbravando e foiçando. Dando passagem para os de trás, abrindo picadas.
Em pouco tempo, perceberam uma declividade bastante íngreme. Mediram com os olhos distâncias e alturas. Continuaram. Valia a pena qualquer tentativa. O sucesso seria mera consequência, não o motivo em si. O rumo esperançava águas ao pé da montanha. Será?
A mata fechada e o mato alto bloqueavam qualquer visão de futuro. É como se tateassem em pequenas aberturas de um labirinto. Infiltrassem estreitos que, ora sim, ora não, se alargam. O facão seguia sua sina na mão do mais velho. Para isso foi feito. Descortinar trilhas.
Às vezes paravam. Examinavam. Mesmo sem horizonte, encobertados por arbustos - alguns de finas folhas - desciam em zigue-zague rumo ao vale.
De repente, como escondida por trás de uma cortina, uma enorme cratera transpôs a rota. Ela avisava cuidado. Ela indicava não enfrentamento. Tudo para.
Ele, o pai, diz:
- Por aqui parece ser possível contornar - apontou
Apossou-se novamente do facão e avançou dois passos o terreno ainda bem denso e íngreme. Era sua oportunidade de brincar de mato, de ser bandeirante pelo menos uma vez na vida. De sentir o peso do instrumento e sua capacidade de ser o que é. O mais novo vinha atrás. Com o facão em punho o pai sentiu o desejo em seu cangote.
- Pai, pode deixar que eu corto para você!
Pensou: talvez eles queiram tanto quanto eu. Agiu: doou o utensílio com amorosidade.
O mais novo desbravou a área cortando, limpando e escolhendo a melhor direção a seguir. O contorno parecia longo, mas o relevo aplainava. O solo, aos poucos, tornava-se mais compreensivo. O facão, em movimentos não tão coordenados, como em toda a viagem, seguia como uma machadinha na mão do mais novo.
Uma pequena clareira em meio às copas no alto de toras, como torres de castelos medievais, fez incidir Sol na moleira. A vista clareou, os ouvidos perceberam o chacoalhar de águas. Pularam o barranco. Lá estava o tão esperado riacho e a pequena cachoeira de águas leves e baixas. E frias, é claro. Nadaram.
O facão, deitado em um canto da pedra se viu objeto do desejo nas linhas do tempo da infância. Guardado, ficou aguardando a sua vez. Foi cedido aos filhos sedentos da experiência, por querências vindas de suas próprias fantasias, pela sensoriedade que só o mundo físico pode proporcionar.
Assim, a vida. Há tempo certo para os facões e os desejos dos homens.
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