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POR CIMA DA SCANIA

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 16 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

Minha primeira grande viagem sozinho foi com amigos. Era "de maior", como se dizia na época, mas bem jovem. Tudo acertado, nos encontramos, os quatro, três rapazes e uma garota, no Posto Universal, na saída de Belo Horizonte. A primeira carona foi o maior sucesso: três na boleia e um na carroceira da Scania. Foi a única juntos em um mês de trilhas pelo país.


É incrível como o estar bem trás o bem. Atravessamos o nordeste de caminhoneiro em caminhoneiro, de estrada em estrada, de pessoa em pessoa. Fomos abraçados por gente que, só para fazer o bem, oferecia-nos qualquer coisa: um prato de comida, uma informação, um sorriso, uma palavra - "vá em frente, somos todos brasileiros". Desfrutei experiências de humanidade sem medidas nesse tempo. Tatuaram meu coração.


Nós, os quatro mochileiros, nos despedíamos uns dos outros, à porta do caminhão, com um grito:


- Nos encontramos em... Maceió!


Às vezes era eu quem dava esse grito outras, quem ficava. Não importava quem ia primeiro ou depois, sempre nos reuníamos.


Os reencontros eram recheados de deliciosas histórias. Cada um dos quatro, à sua maneira, colocava a vida na ponta do pé e preenchia com inteireza cada fração do tempo. Gargalhávamos com os causos. Juntos, instalados em albergues universitários, passávamos dias conhecendo praias, pessoas, e a nós mesmos! Depois, sola no asfalto.


O lema era: quanto mais distante de casa, mais feliz. Era como se o ímpeto da liberdade nos guiasse para além do horizonte. Rompíamos a abóboda imaginária a cada novo triunfo.


Estávamos em Fortaleza, quando um dos nossos, o mais velho, recebeu do orelhão uma promessa de emprego. Investimos quase toda nossa grana em duas passagens de ônibus para os dois: ele e ela.


Fiquei com o amigo. Era hora de regressar. A animação corria nas veias, no entanto, repentinamente, as oportunidades esconderam-se. Até parecia que a galáxia conspirava contra. Passamos dois dias naquele posto dando o velho "caô" nos motoristas.


- Somos universitários e estamos conhecendo o Brasil. Você poderia...


Apresentávamos a carteirinha de estudante e continuávamos: blá blá blá...


Nada. Até aqui tinha sido tão fácil. Esgotara-se nosso suprimento de sorte? Decidimos: juntos não daria. Vamos separados. No dia seguinte o vi entrando na cabine do Fenemê. Nessa hora a distância de casa meteu medo. As certezas vacilaram. A insegurança varreu a sentinela mascarada e escancarou o pânico. E se... Fiquei literalmente sem chão, sem amigo, sem apoio. Sozinho e longe pra caramba.


Ufa, algumas horas depois, o motorista disse


- Te levo 50 km.


Tão pouco! Topei. Não havia alternativa. A prosa boa me trouxe um pouco mais para perto de casa do que o previsto. Ainda assim, até o aconchego do ninho tinha muito chão para rolar.


Pensava: onde estaria meu amigo?


Existe portal de destino? Não sei. Só sei que avistei dois jovens terminando o almoço. Joguei o "caô" do universitário. Os paulistas foram com a minha cara. Entrei, meio sem acreditar, naquele Opala cinza de para-choque metálico. Foram três dias de viagem e só via os caminhões tartarugas pelo vidro de trás. Como me acolheram. A sobrinha da grana permaneceu amassada no bolso. Bancaram tudo.


Continuava pensando: onde estaria meu amigo?


Por volta das três da tarde faltavam poucos quilômetros para me despedir dos paulistas, na curva da estrada entre Belo Horizonte e São Paulo. O pneu furado do Opala nos levou ao acostamento. Alguém girava a manivela do macaco. Sentei-me a beira da estrada. A reta era longa. Avistei de longe uma carreta. Havia um pontinho na carroceria, em cima da lona, sobre a mercadoria. Fixei os olhos. Tornei-me em pé. Acompanhei. A carreta passou a uns 80 por hora. Fixei os olhos e aprumei os ouvidos. Bradei:


- Huhu, Serjão!!!


- Huhu...


Era ele, meu amigo. Incrédulo levantei os braços e acenei enquanto o ronco do motor se misturava à onda de choque de sua passagem. Seu grito ecoou infinitamente mesmo depois de esmaecer no cume da colina.


Chorei para mim de alegria.


Imagem do post em <https://pin.it/2xIsRRZ>

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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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