QUEM SABE!
- Gielton
- 8 de out. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 29 de out. de 2020
Gielton

Desembarquei do Opala cinza metálico em Governador Valadares. Os dois jovens paulistas que me trouxeram de Fortaleza até aqui prosseguiriam rumo ao sul. Foi uma carona mágica e uma amizade sólida. Torraram toda grana nesse resto de viagem e, por ironia do destino, a mixaria embolada no meu bolso, guardada a sete chaves, foi doada. Sensação de troca, de ajuda mútua, de interações sinceras, honestas. Restou-me apenas o bilhete do intermunicipal até Coronel Fabriciano.
O posto de gasolina era enorme, bem no cruzamento das duas rodovias.
- Onde pego o ônibus para Fabriciano?
- O ponto é bem ali. - O solícito transeunte apontou.
Inesperadamente, a barriga, levemente estufada, reclamou. Era magro como um palito, quase esquelético. Cintura fina. Não era a fome que se anunciava, sabia disso. O banheiro me convocou estranhamente. Estava bem, energia para cima, já quase em casa, aliviado e feliz depois de um mês de aventuras de mochileiro universitário pelo Nordeste. A privada privativa ouviu o estrondo que arriou de mim. Uma terrível diarreia me acometeu. Passei algumas horas naquele cubículo com fortes dores abdominais. Perdi o primeiro ônibus e já desfalecido cheguei na casa do meu amigo.
Não me lembro exatamente o tempo da minha recuperação. Acamei. Febre, náuseas, dores, fraqueza... Seria reação pelos exageros dos últimos dias? Depois de um mês à base de frutas, pães e, eventualmente, meio prato feito em restaurantes baratos, fui ao extremo das churrascarias, carnes e mais carnes, maioneses e frituras. Tirei a barriga da miséria e coloquei misérias dentro dela, financiado pelos paulistas.
Os pais do meu amigo me acolheram, cuidaram de mim como um filho. Gratidão eterna. Seria o fim de uma grande viagem? Nada, ainda haveriam repercussões. Hoje compreendo o começo... O destino encobria surpresas na aldeia natal.
Dizem que Belo Horizonte, a grande capital das Minas Gerais é provinciana. É mesmo, eu bem sei. Naquele tempo, haviam bares na zona sul. Pontos de encontro das juventudes. Saía sozinho na certeza de esbarrar em comparsas nas longas noites dos fins de semana. Era certo!!
Nessa noite, poucas semanas depois das férias aventureiras, bebericava em uma grande roda. A menina do meu lado era linda. Graciosa. Amiga de amigos. A reconheci de um remoto "rolê", como se diz hoje. Era a bailarina livre, leve e solta a rodar a saia indiana. Certamente silenciara em si meu semblante. Feio, magro, desajeitado, como eu...Ela, sim, inteligente, corajosa, encantadora. A conversa correu solta nessa noite sem luar. Uma inesperada sintonia ultra fina nos conectou. Era como se o mundo em volta brincasse de estátua e só restassem nós dois. Os sons dispersos do entorno emudeceram-se. Nos sentimos velhos conhecidos. Quem sabe de outras vidas?
Nunca acreditei em coincidências. Só sei que, nas últimas férias estivemos nas mesmas praias, nos mesmos lugares, no mesmo tempo. Não nos encontramos lá. Tinha que ser aqui para trocarmos tramas, percepções, histórias cômicas e experiências emocionantes de caroneiros.
Quanta identificação! Seria isso possível? Saí daquela bodega apaixonado.
Assim, a vida. Conspirando a nosso favor? Quem sabe!
Imagem do post em <https://pin.it/6tBLVRS>
Σχόλια