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TRINDADE

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 24 de nov. de 2020
  • 3 min de leitura

Gielton


A primavera em Belo Horizonte resplandecia. Tempo de floração. Mesmo nos centros urbanos o cheiro no ar é visível. A vida germina em cantos inusitados em atmosfera de renovação.


Uma esperança primaveril arrebata meu coração. A pouca luz da manhã clareia o bilhete. Sentado na cama, ainda sonolento, miro aquela passagem de ônibus. Sonho. Estaremos, eu e ela, sós. Sem tempo para perder ou ganhar. Sem compromisso para escalar. Por conta do deslumbramento. Quem sabe, distraídos na natureza, ela me entrega seu coração? O meu, em frangalhos, sopitava.


A rodoviária foi o ponto de encontro dessa vez. O mês, era outubro. O ano, nem me lembro. O destino, Trindade, Rio de Janeiro. Escolha dela. Fui de acompanhante, sem pesquisar o destino. Mais importava era estar ao seu lado. Feliz e angustiado.


Cedi-lhe gentilmente a janela. A prosa cunhada entre nossas línguas úmidas manteve-se acessa até altas horas. Ela estava mais linda do que nunca, assim tão de perto. Queria me declarar de novo. Mas, a coragem se escondeu atrás das palavras. Lá pelas tantas, nos enrolamos na única manta que trouxemos. Amanhecemos agarrados nas próprias sonolências.


Baldeamos até o entroncamento. Faltava a ladeira "Deus me livre" onde desceríamos de carona. Foi fácil. Um jovem casal parou a Brasília e nos conduziu. A descida justifica o nome. Tive algum medo nas curvas íngremes. A vila, lá embaixo, nos acolheu. Pequena e singela. Gente humilde e verdadeira.


Na mercearia indicaram Seu João Pescador. Não sei o porquê do apelido pois, naquele tempo, muitos pescavam. Caminhamos até o fim da praia. Cada um com sua mochila. Na minha, vinha amarrado por fora um saco de dormir e, na dela, a manta que nos aquecera na viagem. Formávamos uma bela dupla.


- Bom dia, Seu João! Nos disseram que o senhor tem uma cabana onde a gente pode ficar...


Respondeu, em tom humilde.


- Tenho sim. É logo ali.


De fato, era ao lado de sua casa, uma tenda de madeira na areia da praia. "Garagem" de barcos. Topamos com os olhos. Instalados.


A natureza vibrante nos convidou ao primeiro dos muitos passeios. A Praia do Meio era nossa. Na porta da choupana. Um pulo, dentro d'água.


A caminho da "Pedra que Engole", das cachoeiras mais famosas em Trindade, repousamos sobre uma rocha no meio do riacho. Investi, meio sem jeito:


- Lelê, você sabe que eu gosto muito de você...


Ela quis interromper. Segui firme em meu propósito...


- Então... Gosto muito de você, para além de nossa amizade, que prezo muito. Queria mais... Sinto desejo a mais, e acho que você também.


Seu jeito acolhedor devolveu com suavidade:


- Eu compreendo. Também gosto muito de você, mas receio abalar nossa amizade que é tão bonita, tão sincera. Na verdade, tenho medo de te perder, de nos perdermos. Vamos deixar como está?


Restou-me o respeito! Passamos o feriado de outubro juntos, dormindo entre barcos, sob a mesma manta, deitados no mesmo saco de dormir. Nadamos por ondas do mar e poços de água doce. Desfrutamos da brisa, do roçar areia entre dedos, do Sol sobre rochas. Não rolou um beijo sequer. "Nenhunzinho" para acalentar meu peito.


Voltei cheio de incertezas, recheado de dúvidas e morrendo de vontade de "mandar tudo a merda".


Meu pai, orgulhoso, dizia aos parentes:


- Meu filho não está namorando, ele está é casado!


Eu? Não desmentia. Queria permanecer iludido, enquanto o coração doía com a verdadeira verdade dos fatos.


Assim, a vida! Leves sofreres podem ensinar sobre respeito.


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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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