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Gielton




Estou com muita vontade de escrever sobre o Zé Pequeno. Queria se possível, registrar todos os momentos e guardar tudo, bem guardadinho na memória, para não esquecer nada, nenhum detalhe, nenhum instante sequer. Talvez seja a forma de deixá-lo vivo para sempre.

Assim, vou revivendo nossas inúmeras parcerias.

Ah, o café da manhã. Dependia do dia da semana. Eu levantava cedinho, colocava água no fogo e voltava para me vestir. No retorno à cozinha, ele costumava descer comigo. O aroma do café exalava pela casa, ocupando cantos inacessíveis. Logo percebia, talvez pela roupa que usava, ou pela energia concentrada nos afazeres do dia, que não lhe daria muita atenção. À francesa, voltava para o terraço. Sem graça e cabisbaixo subia as escadas para tomar Sol, deitar um pouco mais, espreguiçar... Não demonstrava chateação. Lia em meus olhos seu lugar naquele instante. Coisas de cachorro.

Quando eu vestia a bermuda, seguindo o mesmo ritual do dia a dia, ele já descia sabendo. Hoje tem pão, ou biscoito cream cracker, ou outra guloseima qualquer. As especiais eram oferecidas pela Lorene. À beira da porta da cozinha ficava atento aos nossos movimentos. Eu, sentado à mesa lançava o petisco. Aprendeu rápido, desde pequeno, a pegá-lo no ar antes mesmo de cair no chão. Quanta agilidade. Nossos reflexos não chegam aos seus pés.

De repente, saía em disparada, derrapando tábua corrida afora, latindo feito louco. Tinha seus arqui-inimigos caninos da vizinhança, como dizia o Davi. Às vezes, ia para a janela de frente, outras, para o corredor do terraço. Depois de muito esbravejar, voltava calmamente para continuar o café da manhã. Sabia expressar com ferocidade toda sua raiva. Quem nos dera tamanha sabedoria.

Gostava também de me acompanhar no lanche da tarde. A maioria das vezes, na chegada do trabalho, me sentava no sofá, de frente para a TV. Ele, sentado no chão com aquele olhar de cão pedinte, acompanhava e apanhava no ar seu pedaço de biscoito. Quando dizia, "agora acabou Zé Pequeno", deitava-se conformado no cantinho do sofá para ganhar um afago. Adorava essa troca de carinhos. Sempre soube dar e receber!!!

Grande companheiro!!! Saudades de você, Zé Pequeno.

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Houve um tempo em que intensifiquei minhas atividades físicas. Do desejo de regular minha pressão arterial troquei, gradativamente, as lentas caminhadas pelas corridas.


Quem me acompanhou nessa empreitada? Quem?

Claro, e de cara boa, feliz da vida. Acho que aproveitou bem essa época de longos passeios. Nos tornamos mais íntimos, cúmplices de nossa própria história.


Tinha meu ritual. Sempre fui de rituais. Dizem que sou sistemático. Guardava a guia no bolso enquanto andávamos, sem pressa, pelas ruas mais tranquilas do bairro, até alcançarmos a avenida. Livre, nesse trajeto, fazia de tudo. Xixi em todo canto, uns dois ou três cocôs pelo caminho. Tinha a mania de girar em volta do local escolhido. Eu já sabia. Sacava o saquinho para limpar. Farejava tudo. Preferia os matinhos, de todos os tipos. Uma grama alta no canto da calçada, uma flor ou um arbusto, tudo, tudo... Via o mundo pelas úmidas narinas. Sentia a energia através dos odores. Às vezes parava, empinava a cabeça e sugava o ar nariz adentro buscando alguma sensação diferente, ou familiar.


Nossa comunicação se aperfeiçoou nesse tempo. "Parou", com forte entonação, significava esperar na esquina. Nunca atravessou a rua, exceto, quando, ainda bem novo, se empolgou com algum coleguinha do outro lado. "Vamos", dito de forma suave, indicava, siga adiante. Criamos, juntos, muitas brincadeiras. Em uma delas, pedia para "sentar" e ficar "quieto". Enquanto eu dava alguns passos à frente, permanecia imóvel, atento aos movimentos, mas ofegante. Me virava e, batendo uma palma, simultaneamente dizia, "pode vir". Saía em disparada, como se largasse em corrida de atletismo, até passar por mim. Era pura alegria!!!


Na avenida, ligava meus aparelhos: frequencímetro, app para corrida, música, fone... De guia frouxa em punho íamos. Chegamos a marca de 10 km em pouco menos de uma hora. Acompanhava-me bem. Sentia o ritmo das minhas passadas e seguia do lado. De pescoço em pé, como um cão ensinado, mantinha-se concentrado, enquanto, atentamente, observava o entorno. Ao contrário do meu grande esforço, parecia fácil pra ele. O veterinário disse que era demais. Provavelmente me seguia pela fidelidade canina. Será?


Só sei que nessa época ficou com a musculatura bem definida, tipo tanquinho. Coxas torneadas. Cão bonito e bem cuidado. Como um leão, dobrava as patas ao caminhar em passos seguros e firmes. Éramos muito elogiados. Ele, é claro, através de mim, que apenas, sorridente, concordava.


Em casa, exausto, deitava em sua cama até o próximo lanche.

Nunca recusou esses passeios. Nem mesmo quando, já doente, sua barriga inchada dificultava seu caminhar.


Ô saudades do Zé Pequeno!!! Sei que ainda anda por aí.

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Domingo era o dia do banho. Não sei a quem puxou. Água? Não gostava, nunca gostou. Quando chegou, nada sabia sobre cachorros. Aprendi tudo com ele. Ensinou-me aos poucos, devagar.


Zé Pequeno em família

As primeiras tentativas, ainda bem novinho, foram com a mangueira. Água gelada, direto da rua. Ficava quietinho. Sempre foi muito obediente, mas acho que odiava. Devia pensar:

- De novo essa água fria!

Nas cachoeiras não entrava de jeito nenhum. Exceto, às vezes em que o obrigávamos, depois de, literalmente, rolar na bosta. Engraçado isso. Nunca entendi esse mistério de cachorro.

Passei a lavá-lo em nossa banheira. Água morninha. Já sabia, bastava apanhar sua toalha azul, velha e mal cheirosa. Ressabiado, se escondia na casinha. Era preciso chamá-lo. Nas primeiras vezes, com certa veemência. Com o acostumar, podia dizer com brandura:

- Vamos, Zé Mulunga? É hora do banho!

Levantava-se. Cabisbaixo ia em direção ao banheiro. Aceitava o colo até a banheira, o shampoo cheiroso e a escovação em todas as partes do corpo. Ao término, todo molhado, sacudia. Corria em voltas no terraço. Sacudia um pouco mais esguichando gotículas de água para todos os lados.

Suspeito que topava tudo isso pois, sem demora, vinha a recompensa esperada: um longo passeio na avenida em domingões de céu aberto e sol, para secar o pelo branco de pequenas pintas marrons, desse vira-lata que penetrou profundamente nossas vidas.


Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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