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Atualizado: 29 de nov. de 2023

Gielton



Multidão onde cada ser é uma luz



A cada capítulo, novas técnicas. Dessa vez, o livro das vibrações sugeriu entrar em um elevador e escolher um andar que lhe viesse. Moacir sentiu seu corpo decolar. A porta se abriu. Entrou. Tudo acontecia como em câmera lenta, sem pressa, sem destino próprio. Desceu no sexto. Avançou. Havia um grande pomar. O verde acentuado da grama bem aparada destacava em graciosidade. Ipês amarelos brilhantes combinavam com rosas cor de rosa. O céu de um azul celeste abundante, mesmo que clareando o dia com fervor, não ofuscava sua visão. As nuvens deveriam estar do outro lado do paraíso. Nas nuvens estava mesmo era Moacir.


Um senhor grisalho se aproxima, pega sua mão e o conduz a flutuar. Sobem em direção ao céu. Devagar e suavemente. Moacir sente-se seguro e amparado. Lá de cima as coisas parecem amiúdarem-se. Os vagões enfileirados de um trem entre as encostas, comporta-se como uma cobra arrastando pelo chão. O trânsito de veículos, pequeninos em escala, desembrulham um caos organizado. Haviam pontinhos luminosos. Muitos. Em todos os lugares. Moacir não viu o rosto do mestre, mas sua voz penetrava perfeitamente seus tímpanos. Ele diz.


— Pode ver aqueles pontinhos lá embaixo?


— Vejo, sim.


Respondeu, não em forma de som, mas em ideia.


— Cada ser humano possui sua luz própria. Alguns mais, outros menos brilhantes. Estão aqui nesse mundo para aguçar seus brilhos. Torná-los cintilantes e vívidos. Contínuos e incessantes.


Moacir, perplexo, silenciou. O guia prosseguiu.


— Há apenas uma forma de alcançar essa completude.


Subitamente, perguntou


— Como?


— Através do terno amor. Da expressão da verdade que existe no âmago de cada criatura. Das mãos dadas ao acolhimento, às ajudas mútuas às desrazões de cada consciência.


Ainda em estado de choque, Moacir não soube o que dizer.


O senhor grisalho, mantendo seu tom de serenidade, dirige-se para Moacir e conclui.


— Você ainda tem muito a ajudar cada uma dessas luzes que cruzam sua vida. Deixe-se ser amado também.


Muito repentinamente Moacir retornou ao corpo. Atônito ao que acabara de suceder, manteve-se pensativo. Passou um dia mais introspectivo, em silêncio consigo. Imerso em si e aparentemente alheio ao entorno. Talvez fosse necessário digerir experiência tão vigorosa.



<Imagem gerada por Inteligência Artificial>

Atualizado: 29 de nov. de 2023

Gielton



Faces da mesma moeda



Havia, no entanto, um livro. Esse fora indicado por um fisioterapeuta amigo do casal. De capa azul e linhas amarelas em forma de ondas, tratava das vibrações emanadas pelos humanos. Dizia sobre a sintonia de vibrações semelhantes, na qual, as mais altas trazem harmonia e paz. As baixas... Moacir enveredou-se por essa leitura.


Moacir passou a viver extrema contradição interna. Pela manhã deitava-se sobre o piso duro para sentir a energia em forma de vibração. Depois de um tempo em auto observação percebia todo o corpo como um único. Conectava de uma só vez a todas as células e órgãos. Atingia um estado de paz interior indescritível, tamanho o bem estar que pairava sobre si mesmo.


Voltava de sua sessão meditativa outra pessoa. Centrada, estruturada como se os alicerces da vida estivessem sobre terrenos sólidos, firmes... Clarisse encantava-lhe novamente. Seus lábios, vibrando em pequenas frases, aflorava uma paixão dos velhos tempos de mocidade. Sentia-se inteiro e integrado aos movimentos da casa. Limpava um banheiro daqui, varria uma sala acolá. Adotou a cozinha. Primeiro os pratos, depois os talheres e por fim as panelas. Tudo muito ordenado no escorredor.


Relutava em abrir a primeira lata, até ouvir o "stleche" da alça. Dali em diante era como se fosse tomado por uma força maior do que o tamanho de sua capacidade de reagir. Moacir se entregava de novo ao ócio, ao prazer da aparente fluidez que o álcool trazia. Perdia o parâmetro de bem estar e arrastava a tarde. Clarisse até o acompanhava nas primeiras, mas logo deserdava. Moacir seguia sozinho sua sina de bebedor. Havia muito prazer conjugado naquela espécie de "deixe a vida me levar, sem muito pensar".


É fato que as discussões diminuíram. As tolerâncias aumentaram. Os afetos tornaram-se objetos de cordialidade. Moacir e Clarisse amavam-se mais, apesar dos não ditos continuarem não ditos. A aposta no amor firmada na juventude estava ainda de pé, apesar da árdua construção. A casa sobre alicerces de base firme até podiam balançar, mas não tombavam. Ainda eram mais companheiros do que adversários.


<Imagem gerada por Inteligência Artificial>

Atualizado: 29 de nov. de 2023

Gielton



Leão na savana



O último negócio, um imóvel na região da Pampulha, antes da pandemia, lhe rendera uma boa quantidade em espécie. O comprador, sei lá se lavava dinheiro, enviou um pacotão de notas de cem reais. Ainda deu tempo, no caixa do banco, guardar a dinheirama, antes do início da quarentena. Não imaginava o que viria pela frente.


Tudo muito novo e estranho. Na TV, as notícias eram estarrecedoras. Mortes, infectados, curvas em aclive, curvas achatadas... Os óbitos se multiplicavam pelo mundo. Ninguém sabia de nada ao certo. Como ocorria a transmissão? Haveria alguma vacina? Quais tratamentos são mais adequados? Amedrontado, o mundo pisava em terreno incógnito. Havia, no entanto, um consenso. Advertiam: fique em casa se puder. Moacir e Clarisse, em idade de risco, aquietaram-se. Junto ao filho, em família reunida, isolaram-se socialmente. Os poucos chamados telefônicos de Moacir foram dispensados. Alegava: "vamos deixar para depois da pandemia". Clarisse, funcionária pública de gabinete em repartição do estado, passou a trabalhar em casa, em demandas cada vez menores.


Os primeiros dias foram de festa. Uma espécie de férias antecipadas. Só que, ao invés das belas viagens que costumavam fazer, o que tinha era uma cervejada sem fim que começava às onze da manhã e terminava às cinco da tarde.


Em janeiro último estiveram na África do Sul. Moacir regressou com a câmera apinhada de fotos capturadas de leões, hienas, macacos e bichos e mais bichos no Kruger Park. Tudo cuidadosamente organizado por Clarisse. Nesse ponto, eles pactuam projetos comuns. As afinidades se entrelaçam e juntos já desbravaram as mais diferentes regiões do planeta. Afinal, se enamoraram em uma viagem pelo nordeste do Brasil.


Os maus humores das ressacas começaram a criar problemas. Moacir e Clarisse discutiam por coisas aparentemente bestas, reflexos de anos de não ditos, de comunicações truncadas e pensamentos acumulados. Apesar do álcool que circulava no sangue — que às vezes fervia — Moacir jamais chegou no limite do físico. As agressões eram apenas verbais. Ambos impunham as próprias verdades com veemência traduzida por palavras fortes no tom e na intensidade. "Porque você...." "Eu? Foi você que começou..."


<Imagem gerada por Inteligência Artificial>

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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