MISTÉRIOS DO LIVRO AZUL 7|14 — A PANDEMIA
- Gielton
- 2 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 29 de nov. de 2023
Gielton

O último negócio, um imóvel na região da Pampulha, antes da pandemia, lhe rendera uma boa quantidade em espécie. O comprador, sei lá se lavava dinheiro, enviou um pacotão de notas de cem reais. Ainda deu tempo, no caixa do banco, guardar a dinheirama, antes do início da quarentena. Não imaginava o que viria pela frente.
Tudo muito novo e estranho. Na TV, as notícias eram estarrecedoras. Mortes, infectados, curvas em aclive, curvas achatadas... Os óbitos se multiplicavam pelo mundo. Ninguém sabia de nada ao certo. Como ocorria a transmissão? Haveria alguma vacina? Quais tratamentos são mais adequados? Amedrontado, o mundo pisava em terreno incógnito. Havia, no entanto, um consenso. Advertiam: fique em casa se puder. Moacir e Clarisse, em idade de risco, aquietaram-se. Junto ao filho, em família reunida, isolaram-se socialmente. Os poucos chamados telefônicos de Moacir foram dispensados. Alegava: "vamos deixar para depois da pandemia". Clarisse, funcionária pública de gabinete em repartição do estado, passou a trabalhar em casa, em demandas cada vez menores.
Os primeiros dias foram de festa. Uma espécie de férias antecipadas. Só que, ao invés das belas viagens que costumavam fazer, o que tinha era uma cervejada sem fim que começava às onze da manhã e terminava às cinco da tarde.
Em janeiro último estiveram na África do Sul. Moacir regressou com a câmera apinhada de fotos capturadas de leões, hienas, macacos e bichos e mais bichos no Kruger Park. Tudo cuidadosamente organizado por Clarisse. Nesse ponto, eles pactuam projetos comuns. As afinidades se entrelaçam e juntos já desbravaram as mais diferentes regiões do planeta. Afinal, se enamoraram em uma viagem pelo nordeste do Brasil.
Os maus humores das ressacas começaram a criar problemas. Moacir e Clarisse discutiam por coisas aparentemente bestas, reflexos de anos de não ditos, de comunicações truncadas e pensamentos acumulados. Apesar do álcool que circulava no sangue — que às vezes fervia — Moacir jamais chegou no limite do físico. As agressões eram apenas verbais. Ambos impunham as próprias verdades com veemência traduzida por palavras fortes no tom e na intensidade. "Porque você...." "Eu? Foi você que começou..."
<Imagem gerada por Inteligência Artificial>
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