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  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Gielton


Mesmo não sendo meu dia de dar aulas, cheguei cedo ao trabalho.

Fui direto para o auditório. Arriei meus equipamentos e iniciei a montagem. O tempo era curto, eu sabia. Além disso, havia muitos pormenores.

Tudo ligado, funcionando como o previsto. Alguns alunos começavam a chegar. Tinha esquecido o tripé. Corri no laboratório, mas o almoxarifado estava trancado. Vai sem ele mesmo.

- Se acalma, Gielton, vai dar tudo certo. Falo pra mim mesmo.

Lá de cima, posso ver a turma descendo a rampa. Ai, meu Deus!... Em um rápido encontro com o coordenador, acertamos os últimos pontos. Que bom, terei um tempinho a mais para me concentrar.

Me sentei na última fileira, fechei os olhos e comecei a trabalhar as energias. A fala do coordenador estava distante. As palavras não faziam sentido, apesar de o som chegar normalmente aos meus ouvidos. Estava absorto e, ao mesmo tempo, concentrado, tentando reduzir a frequência cardíaca.

Pronto, é agora. Não, antes tinha um vídeo do Bob Dylan. Ai, que agonia!

Subo ao palco. Tudo se transforma. A escrita de hoje cedo me ajuda a lembrar as falas iniciais. Improviso e, como num passe de mágica, as palavras vão se soltando de mim. Encaixadas, encadeadas.

Aos poucos, minha ansiedade vai dando lugar à confiança, estendida pelo semblante dos alunos, atentos e curiosos.

Entro na primeira canção. Bem recebida. Começo a segunda e insinuo um ritmo com as palmas da mão, prontamente acompanhado por eles.

Penso: vou fazer o planejado. - Gente, vocês conhecem Vatapá? Quem aí sabe o que é?

Continuo: - Culinária baiana de origem afro-brasileira. Dorival Caymmi fez uma canção, mas preciso da ajuda de vocês. Nesse trecho, vocês cantam: "um bocadinho mais".

Deu muito certo, tanto no ritmo quanto na melodia. Que legal a participação deles. O envolvimento, empolgação, alegria... Contagiante!!!



Na hora de "Tijolo e água", todos cantaram. Lá de cima via alguns, mais tímidos, quase sussurrando. Outros, impondo força e decisão na voz. Sorrisos, palmas, braços levantados acompanhando a batida do violão. De um lado, percebi os olhos brilhando de duas jovens que se recostaram uma na outra. No lado oposto, outra estudante ouvia e sentia de olhos fechados.

Acho que viemos ao mundo para nos afetarmos mutuamente. Quanto afeto trocado nessa manhã!!

Obrigado, turma!!!


Revisão: Maria Lucia Pompein Pessoa

 

Atualizado: 24 de mai. de 2018

Gielton


Quando Tuian, a uma da manhã, escreveu "nasceu", no WhatsApp, não sabia o que dizer. Olhei para minha mulher e disse: "nasceu!" Nos abraçamos, emocionados, no hall da Santa Casa, sem sequer uma cadeira para acomodar os novos avós. Nos entreolhamos assustados, alegres, aliviados. Quis saber, urgente, da saúde dos dois. "Tudo bem", veio a resposta seguinte.

Contidamente vibramos, apesar de soltar o grito ser o desejo íntimo. Ficamos ali, sem saber qual o próximo passo. Pôxa, tivemos três filhos e agora, no primeiro neto, ficamos bobos novamente?

Pouco depois veio o pedido. Queremos uma pizza, marguerita e quatro queijos. Como se nos desse um rumo. Estar do outro lado requer outros cuidados. Me lembrei da Lorene pedindo suco de laranja com cenoura, gentilmente trazido pela sua mãe, após o nascimento do Davi. É para isso que servimos? Então, tá. Onde tem uma pizzaria mais perto? Fomos lá.

- Viemos buscar a pizza que acabamos de encomendar. - Ah, sim, podem aguardar. - É para meu filho e minha nora, que acabaram de me dar um neto.

Nem ligaram. O garçom, ainda atarefado, estava preocupado em servir. Eu, na minha alegria incontida, queria anunciar. Queria abrir o sorrissão e gritar: "gente, sou vovô!” Mas, o mundo lá fora continuava sem prestar muita atenção.

A recepcionista foi severa. Nem com toda cordialidade no trato, nos deixou subir ao décimo primeiro para dar uma espiadinha, pequenina que seja, no José. Entrar com a pizza, nem pensar. Desumano isso. Como podem proibir os avós de verem seu neto? Sacanagem...

A primeira foto chegou cedinho em nossos celulares. Que lindinho!!! Quanta fofura!!! Agora sim, é de verdade. Não é mais uma barriga de grávida. Ele veio para ficar, para compor, para alegrar.

Só à tarde, depois do almoço apressado, pudemos visitá-los. Estava nos braços da vovó quando cheguei. Fiz questão de abraçar minha nora e parabenizá-la, tanto pela força interna, quanto pelo neto que trouxe. Indaguei:

- Cibe, conte-me como foi.

- A dor estava insuportável. O banheiro da sua casa era meu único lugar de conforto. Quando vi o sangue escorrendo pelas minhas pernas, senti que chegara a hora.

Fui eu, o vovô aqui, quem os conduziu à maternidade. Como um destino já traçado, só veio ao mundo depois desse trabalho cuidadoso de dirigir, parando a cada nova contração e seguindo bem lentamente, mas, ao mesmo tempo, atento ao destino.

Ela continuou.

- Apesar de desfalecida, renovei minhas energias quando me sentei naquela cadeira de rodas na recepção da Santa Casa. Tanto é que, já no décimo primeiro andar, fiz uma força de expulsão de que não achava ser capaz. Depois de 24 horas de dor, sabe como é...

- E aí?

- Pronto, com a bolsa arrebentada, foi um pulo para a mesa de cirurgia. Travei os dentes, concentrei e empurrei por dentro até sentir José descendo.

Nem viu Tuian lhe desobedecendo e entrando na sala para assistir. Meu filho viu tudo. O corte profundo no períneo, e a cabecinha saindo. Em segundos, estava aconchegado sobre a mãe. Foi guerreira, encarou de frente, sem anestesia, sem gritos, apesar de intensa a dor do parto.

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José

- Quer segurá-lo um pouco? Perguntou Lorene.

Não sou capaz de descrever a emoção de tê-lo nos braços. Dormia como um anjo. Mantive meus óculos para vê-lo de perto e observar cada detalhe. Branquinho, branquinho. Bochechas gordinhas e nariz alargado. A boquinha pequena, de vez em quando, mexia e ganhava a forma de um biquinho. O queixo, ai que bonitinho, afundado para dentro, pequenino. Tudo nele é pequeno, mas completo, bem formado. Semblante de um anjo, recém-chegado do céu. Senti, no coração, um amor maior que o mundo. Nossa intimidade crescia enquanto o segurava no colo. Era como se já nos conhecêssemos de longos tempos. Depois da sessão de fotos, me afastei. Ele mexeu, espreguiçou, se esticou. Pensei: vai acordar. Senti a iluminação forte em seus olhos quando tentou abri-los. Escolhi uma penumbra no final do corredor. Conversei calmamente. Impus um tom mais grave, mas gentil, amoroso e acolhedor. Senti sua confiança em mim. Se aquietou, depois de explorar o novo mundo, olhando para todos os lados. Permaneci ali, curtindo, enchendo meu coração de generosidade, de amor puro, verdadeiro, recebendo do José tudo de melhor que poderia trazer.

Já dera a hora de mamar. Fim de visita. Acho que esse é o papel de avô. Vir e ir embora. Cuidar, acariciar e partir. Deixar espaço para o casal cuidar do filho, como cuidamos dos nossos.

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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