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Atualizado: 3 de set.

Gielton


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Línguas lânguidas se emaranharam e o tesão ardente subiu dos pés às partes. Desceu do sussurro ao pé do ouvido até entre as pernas. Aquele beijo era apenas a preliminar das preliminares. Dos amantes, nem te conto onde mais as línguas perpetraram.


Nem percebemos, mas a língua se estica para receber a colherada. É o começo do saboroso lamber os beiços, ou dissabor do tempero apimentado. Há quem goste! De garfo em garfo conduz a vianda a preencher o vazio da fome. Em muitos esse vácuo é rotina...


Essa tramela fala, dá dicção e sotaque. Respeita territórios e reafirma convicções. Deita-se sobre a boca ou enrola-se no céu para pronunciar. Vibra para "ra", relaxa-se para "pa", mas trava quando a frase é dita rapidamente. Nem tempo de ir e vir tem, para no frigir, exprimir espremendo-se aquilo que deveria ser dito. Os línguas presas que o digam!


Há quem tem a língua tão comprida que após a morte precisará de dois ataúdes. Um para a pessoa e outro para a própria língua. Dizem as más línguas que esse tipo de gente é língua de cobra e não mede em colocar a língua nos dentes. E mais, suas línguas afiadas cortam como facas. Detalhe, para os dois lados.


Ai que ardência quando se queima a língua no café quente na beirada da xícara esmaltada. Os línguas de trapo dizem que não esquenta. Mentira pura de perna curta e língua de fora para zombar do bobo que acreditou como pateta.


De tudo que ela dá ou tira "pagar língua" é o mais lucrativo. Não necessita poupança, basta humildade. Exige reflexão e mudança de ótica. Alterar ângulos. Abaixar ou inclinar para que os mesmos olhos enxerguem o que antes era sombra. Acionar outros sensores e fisgar a velha rigidez escondida no fundo do baú.


Às vezes é preciso apanhar. Tipo, socos que a vida dá. Manter o discurso e a ação costuma piorar as coisas. Ficar na berlinda é sinal. Percebe quem quer. O preço pode ser alto e na queda a decepção pode esmagar a língua. Para tudo há paliativos, mesmo para língua mordida.


Mas, se reconhece o erro e transforma, a evolução é certa. O caminho se abre em trilhas inimagináveis. Abranda o custo que agora cabe no bolso, na mente e na consciência. Aí, sai barato pagar língua!


Assim, a vida! Quem nunca pagou língua põe o dedo aqui (que já vai fechar).


Imagem do post em <https://pin.it/5AwcTU6>

 

Atualizado: 3 de mai. de 2023

Gielton


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O trabalho online foi interrompido por uma gritaria danada lá fora. Largou o computador. Inclinado sobre o beiral da janela espiou.


O rapaz abandonou o carro no meio da rua. Desceu, com aquela valentia toda, e foi em direção a uma mulher na calçada berrando feito louco.


— Eu vi! Você já está com outro... Que merda! Acabo com sua raça.


Ela, apavorada e indefesa, com as mãos em oração suplicava.


— Calma, calma.


Com seus trinta e poucos anos, transtornado como barata tonta, parecia não ter domínio sobre sua própria razão. Era como se um estrondo em volume ensurdecedor tomasse conta de sua audição. Uma luz sobrenatural ofuscasse sua visão. Um beliscão absurdo lhe anestesiasse. Incapaz de ouvir, ver e perceber permanecia atônito.


A coisa tomou outro rumo quando voltou com um taco de baseball escondido no veículo que ainda atravancava o trânsito. Em passos largos e apressados partiu, agora armado, para o ataque de nervos que poderia ser fatal.


Gritos de horror, misturados a pedidos de socorro eram acompanhados de "chamem a polícia". A vizinhança pavorosa sentia o prenúncio de um trágico fim.


Foi quando, no meio do caminho, o valentão levou uma rasteira de dois transeuntes, entre os vários que pararam para assistir tamanha estupidez. Uma intervenção providencial. Sensata. Que alívio! Salva no último badalar do gongo.


Imobilizado e sem reação sentou-se ao meio-fio. A intrepidez deu lugar à humilhação. Apoiou a cabeça entre as pernas e chorou de derramar baldes de imaturidade. Não havia auto-imagem que revelasse tamanho desatino.


Pele branca, de "boa" aparência, cabelo liso de corte curto tradicional, bom tênis, camisa de marca, largou todo o seu constrangimento e mostrou publicamente sua fragilidade emocional. Uma criança no porte de adulto. Um indefeso mental, sem lógica, sem respeito, sem noção.


Como um farrapo humano de sentimentos aflorados e descontrolados repetia entre soluços.


— Vocês não têm ideia do que estou passando... Vocês não tem ideia do que estou passando...


Não temos mesmo, meu caro. Sua dorzinha de macho ferido é ridícula. Seu estardalhaço possessivo um fiasco. Seu destempero um buraco sem fundo. Pena? Não! Que honra é essa que lhe autoriza tamanha atrocidade? Encolha-se à sua insignificância. Vá se tratar!


Os monstros andam à solta. Não são mulas sem cabeça, lobisomens, curupiras, ou boitatás que povoaram nossa imaginação infantil. Têm carne e osso, são reais, estão por perto e são perigosos.


Assim, a vida! Até quando?...


Imagem do post em <https://pin.it/2SkLWx4>

 

Atualizado: 3 de mai. de 2023

Gielton



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Não havia motivo aparente para aquela manhã. Seria uma como outra qualquer. O dia pouco amanhecia. Parcas luzes perfuravam a fina cortina da ventana. Semelhava madrugada.


Algo os inquietava. No leito, agasalhados do frio, movimentaram lentamente em direção ao encontro. Encontro de corpos que ardem e desejam, mesmo ainda letárgicos.


Toques sutis de mãos muito leves ativam hormônios adormecidos. Escondidos nos recônditos dos caminhos atravessados, afloram como o desabrochar de uma rosa. Vermelha, provavelmente. Quente cor que rosa a face e acelera os batimentos.


Como em espasmos involuntários contraem troncos e dorsos em busca de minúcias que irradiem sensações pulsantes. Lábios se fundem em beijos "calientes". Suaves mãos sobre rostos macios ampliam o rastro da leveza. Flutuam como plumas! Não há pressa. Não há urgência! Perpetuam, por instantes, esse romance preliminar de quem conhece a esfera do prazer.


Hora de adentrar um no outro. Tornar-se uno, apesar de cada um continuar ser a si próprio. Algo no campo do inexplicável, do indizível. Ele aproxima-se do portal e lentamente submerge. Desliza pelas paredes úmidas em um contato macio, sem entraves. De dentro, se acomodam.


Detalhes são ampliados como em um super microscópio de sentidos. Os pés dela sobre sua panturrilha lhe conferem um estar terreno. Dele, as mãos em torno das ancas transmitem fome de pegada. Cada milímetro de pele responde com um turbilhão de sinais. Envoltos um no outro se desconectam do mundo real.


Assim, vão, em um vai e vem de ritmo próprio que atende mutuamente aos dois. Não é preciso pensar, não há raciocínio. Tudo se encaixa. Os tempos congruem. Não se ouve o ranger da cama. Não se percebe a claridade da janela. Tudo é um só. Há paz. Há acoplamento. É possível tensionar relaxadamente e buscar calmamente o auge. Esse sim, vem em conjunto, a uivos que se alongam. Eternizam no inconsciente. Dissipam-se na respiração ofegante. Até...


Não é mais preciso ir e vir. Chegaram, em sincronia, ao espaço do amor pleno, em conexão direta com os céus.


Assim, a vida!


Imagem do post em <https://pin.it/1zovlSB>


 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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