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Atualizado: 27 de jun.

Gielton

Desenho a mão de uma pessoa no convés de um navio


Às vezes a gente só quer silêncio, você me entende?


Deixei a dor penetrar e adentrei em mim. Não quero conversa. Falar, não quero. Amuei!


Convergi aos afazeres. Dessa vez, labor com as mãos e ferramentas. Claro, na tarefa há pensamentos, formas, sequências. Estas, perpassam o humano em todas as suas dimensões.


O estado de espírito afetou-se. Apelei com a mangueira vazia que insistia em enrolar-se. Como eu, embrulhado em mágoas e atado ao ontem, fiz do remorso meu modo. Triste perdurei, enquanto o tempo precisava.


Virei-me na cama. Do lado preferido enconchei-me a mim mesmo. As mãos aquecidas entre as coxas não diminuíram a frieza desolada do estar. Bateu saudades de quem se foi há pouco. Inerte e melancólico deixei algumas lágrimas molharem o travesseiro.


Não me lembro dos sonhos, mas clareei mais disposto. Brinquei com a cadela e testei meu invento regando hibiscos novos recém-mudados. Catuquei, mexi e virei. Entranças de um novo dia.


Nada de falar ainda. Não quero. Fiquei no trivial, no estrito, nada mais do que o inescusável. O baque fora grande. Ainda recuperando da "traulitada".


Li. Li Riobaldo. Estremeci com suas filosofias. Continuei lendo. Páginas voam em asas de papel e palavras encharcam nosso estado — amálgama dos bons ares. Seus dramas, digo de Riobaldo, eram outros, diferentes dos meus, mas alentaram. E como!


Fui me redimindo. O coração acabrunhado e encolhido soltou levemente as amarras, como se fosse possível navegar novamente. Ainda dói, mas a desesperança, que antes era corpo todo, agora é só ponta de braço — esvai-se pelas bordas dos dedos igual raio em descarrego.


Encontro-me aqui com polegares em frenesi, de letra em letra, buscando aquilo que o sentir sente. Difícil tradução. Confusa sensação. Nem sei a língua que fala.


Deixo a pálpebra sobre os olhos esmaecer a claridade. Entorno em mim. Ainda perturbado, estremecido e tenso, enxergo por dentro um aguardo de dias melhores.


Assim, a vida. A letra que salva.

Imagem do post em <https://pin.it/60ZcaRL>


 

Gielton



A vida se encarrega dos próprios encargos. O peso leve, sem cruz a carregar, traz de volta o que nunca se foi.


Estou em fase de reflexão. Fatos me fazem pensar. Emoções me fazem sentir. Transformações têm afetado meu estar. Um estar orgulhoso em um mundo carente de filosofias.


Meu caçula está indo... Pintou seu próprio lar com as cores que apetecem o casal.


A primogênita saiu primeiro para entrar em sua própria vida e fecundou dentro de si.


O segundo encontrou sua companheira, ali pertinho, para erguer sua linda família.


É hora de estarmos sozinhos. Eu e ela. Ela e eu. Parece solitário? Um pouco, mas não tudo.


Em épocas, como as de hoje, em que o debaixo das asas promete segurança, ocupantes inseguros, como em casulos, permanecem imaturos. Encapsulados, sentem medo, vergonha e escassez de coragem. Na dúvida, melhor não arriscar. Os filhos vão ficando, vão ficando... A vida vai indo, vai indo...


Vejo um quarto vazio e sinto meu coração inflar de orgulho. Encarar o mundo de frente, estufar o peito, reunir os centavos para administrar os boletos e escolher essa porção da vida a enfrentar, são elementos que elevam a dignidade.


Estou feliz por eles. Esperançoso. Envaidecido com os pais e mães amorosos que se tornaram. Feliz pelos netos ao redor. Por essas pessoinhas que nos tiram do sério e brincam com o íntimo de nossas crianças.


A sensação de uma das missões cumpridas não diminui os aprendizados futuros. Pelo contrário, ampliam o compromisso de continuar furando a mesmice. Contornar a trilha predefinida, esvaziar o consumismo que nos consome, limpar as crostas que dificultam o fluir são apenas formas de elevar as vibrações do nosso mundo. Ah, como é preciso!


Agradecido, permaneço.


Assim, a vida! Do vazio ao cheio há esperança.


 

Gielton



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A morte é espelho da vida. Refletem uma sobre a outra como se tocassem no horizonte. Não como retas paralelas. Afinal, há entrelaçamentos óbvios. Em fusão, seguem unidas, pois o rasgo entre ir e ficar é tênue. Apenas uma forma de estar.


Em Terra refletimos os sentidos.


A dor penetra e arde. Faz do choro sua expressão. Às vezes contido, outras, intenso. Poças de lágrimas não dizem mais ou menos do que pequenas gotas escorridas. O que se passa aqui dentro só eu sei. Quase não dá para traduzir em palavras...


A ausência mal se consumou. Já é saudades. Não haverá mais aquele telefonema indagando "onde você está", nem o cafezinho da tarde ou a insulina da noite. Isso, sem contar na promoção das inúmeras viagens em família, das festas que produziu, dos encontros que perpetuou. Refilmar tantas cenas em mais de noventa anos de existência, seriam páginas e mais páginas, sem fim.


O sorriso de muitos tempos cristaliza-se em apenas uma lembrança, uma foto, um instante. Escolher a última imagem que fica, de preferência a que fala da emoção, que traz algum sentido de existência é apenas um detalhe que diz muito. Fiquei com o semblante leve do lencinho sobre o rosto como na brincadeira de criança: "cadê? achou!". Só nós dois sabemos.


A velhinha e sua bengala perdida caminham agora em outra dimensão. Fico imaginando os passos lentos ao encontro de tantos. A alegria será marca desses reencontros que, apesar dos anos, é tão vivo quanto a morte.


Assim, a vida. Siga em paz mãezinha...


Imagem do post <https://pin.it/6ml6nDd>

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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