- Gielton
Gielton

Poderia ser apenas mais uma viagem. Só que essa tinha um "quê" de especial: comemorávamos 25 anos juntos e três filhos na bagagem. Foram 36 dias grudados, os cinco. Entre espinhos e flores, sobrou amor construído e partilhado.
Já estávamos na Argentina. O próximo passo? Cruzar a Cordilheira dos Andes em direção a Santiago.
Inenarrável a cordilheira. Sua monstruosidade assusta. Como é possível tamanha magnitude? As rochas em degradê do amarelo ao vermelho invadem a retina e nos deixa estupefatos. A cada curva da Ruta 7 a realidade dos seixos deixa nossa imaginação sem espaço para criar. De tão inusitado o queixo cai, as narinas se abrem e o coração apreensivo enxerga o divino expresso em forma de natureza. As inclinações quase em linha vertical são "incapitavéis" por instrumentos óticos que vão além dos olhos. Só mesmo de perto para, diante de nossa pequenez, acessarmos algo tão grandioso.
No meio do caminho estava Portillo. Seria apenas uma parada para o almoço. O bom da viagem é o inusitado!
Em Portillo há uma estação de esqui. No verão a brancura da neve escorre apenas pelos picos mais altos. As escarpas nos vales desfrutavam do Sol arrasador. Não esquiamos, mas...
— Gente, o teleférico da estação está funcionando para visitação. Topam!
Chegou a primogênita numa animação só!
Os carrinhos do teleférico eram como pontinhos pretos deslizando sobre o cabo de aço lá no alto do morro. Praticamente invisíveis. Pensei: será?
Todo mundo topou de cara!
Não sabia exatamente o que sentia! Medo? Talvez!
A terra vista através dos pezinhos pendurados e balançantes ficava cada vez mais miúda. O pensamento "estraga prazer" começou a preencher a mente. E se esse cabo se rompe? Já era. O raciocínio tentava controlar. Não, isso não vai acontecer.
E quando a rodilha sobre o cabo tinha que passar nas emendas dos postes? Ai meu Deus, vai soltar. Aí apertava com força a grade de proteção. Como se isso pudesse me salvar.
Não vou olhar mais para baixo. Pode ajudar a conter o pânico. Só que, para frente estava a montanha. O choque seria certo se o cabo de aço não subisse quase verticalmente rente ao paredão. Ai, ai, ai... Quando chegar nessa parte vou tombar para trás... Tá chegando.... Nem vi. Fechei os olhos e quando abri já estava na plataforma de desembarque.
O pensamento já estava focado na volta! Andei prá lá e prá cá, sentindo a altura. O medo da volta foi me tomando.
— ¿Hay alguna manera de bajar a pie?
Perguntei ao primeiro funcionário com meu parco portunhol.
Sem chances! O coração já pulava e o pavor já tomava conta de meu corpo e minha alma. Não sabia o que fazer. Estava em uma enrrascada. Só pensava na inclinação da volta, que seria para baixo. A queda seria o fim, que estava próximo a acontecer. Só aí consegui expressar meu pânico para os filhos em busca de algum apoio. Queria, na verdade, morar no alto daquela montanha para sempre.
Minha mulher acolheu e disse:
— Estarei com você na descida!
Entramos no bondinho de volta. Fui tão apressado que bati o ferro na canela dela. Tadinha! Segurei com toda minha força sua mão, apertei com a outra a grade, fechei os olhos e gritei para dentro:
— Socorro! Socorro.
Só ouvia o deslizar da roldana e sentia o balançar do bondinho! Foram os dez minutos mais lentos da minha vida!
Abri os olhos a poucos metros do chão. Aliviado e bambo desci na estação desnorteado. Dali, fui direto ao banheiro!
Virei chacota o resto da viagem!
Assim, a vida! Trazemos medos de outras existências?
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