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    Gielton

Atualizado: 29 de jun. de 2022

Gielton



Narração da crônica


Eram apenas dois jovens descobrindo o amor. A ânsia de estarem juntos era muito maior que o apetite sexual. Talvez não transparecesse, pois viviam agarrados um no outro. Um grude de fazer inveja. Apeteciam-lhes deitar em concha e dormir sentindo as vibrações um do outro. Nada demais. O mundo em quebras ainda era torto. Haviam regras hipócritas para serem desregradas. A caretice tinha vigor. Que mal há em adormecer a dois? Não, só depois do casamento...


A década era 80 no Brasil. O primeiro beijo foi nas águas do São Francisco, em Pirapora. Naquela noite, os dois, estudantes universitários em férias, partiam para uma grande aventura na terra brasilis. Enquanto a maioria dos ocupantes do barco dormiam em redes, eles deitavam-se sobre sacos de dormir estendidos no assoalho. Ali, tão pertinho, tão colados, juntaram os lábios. Os beijos foram ardentes em uma noite inesperada de luar a clarear as águas do rio como poeira de estrada.


Era o começo de uma ardente paixão. Ficaram juntos os trinta dias do restante das férias. Andavam em bandos com inúmeros e diferentes amigos, mas se cumplicizavam nos momentos a dois. Tornaram-se um casal. Dividiram pratos feitos, redes de dormir e muitas e muitas caronas.


O discurso colava nos postos de gasolina. Diante dos caminhoneiros em fim de almoço diziam:


— Somos estudantes universitários e viajamos pelo país para conhecer a nossa cultura. Você poderia nos dar uma carona?


Viajaram! Conheceram lugares e pessoas. Conheceram a si! Encontraram a paz do amor correspondido. Sem palavras, sem lógica, sem raciocínio. Sabe-se, apenas. Regressaram apaixonados e seguros de um propósito: envelhecer juntos.


Namoravam por horas pendurados aos telefones fixos - essa era a condição da época. Quando possível escapavam. Fugiam. Às vezes pernoitavam em casas de amigos. Cada feriado, um passeio diferente. A juventude resplandecia como uma fonte suprema de energia.


Certo dia foram convidados a uma conversa com os pais da moça. O rapaz, franzino, magro de costelas a vista e cintura tão fina quanto um disco de vinil, chegou desavisado. Não imaginava o que se sucederia.


Depois dos cumprimentos tradicionais, abraços sem graça e apertos de mão, o pai da moça toma a palavra.


— Sei que namoram há algum tempo e temos agrado por você, meu jovem. Nos parece estudioso e bem intencionado.


O jovem sorriu em forma de agradecimento. O pai da moça continuou.


— No entanto, não podemos aceitar esse namoro moderno, esse jeito avançado de relacionar com sexo antes do casamento.


Perplexo, o jovem reage timidamente.


— Como assim, Sr Carlos?


Carlos Moreira Borges, um homem, daqueles enormes, ex-jogador de basquete aproximou-se do namorado da filha, deixando tudo escuro frente a sombra que seu corpo fez sobre a lucidez possível para aquele momento.


— É isso mesmo que ouviu. De hoje em diante não aceitaremos mais essa patifaria. Viagens a dois, acampamentos, noites fora de casa. Com o ato já consumado impomos que se casem imediatamente.


Encurralado contra a parede, diante daquele homenzarrão pressionando todos os seus órgãos o menino franzino responde.


— Caso, sim senhor!


Assim, a vida! A modernidade é conquista de gerações.


Imagem do post em <https://pin.it/2CSzyuj>


 
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Atualizado: 13 de jul. de 2022

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"Viajar é produto de cesta básica": lema esculpido pela minha mulher e seguido à risca pelo casal. Aliás, nos enamoramos em uma viagem! Ela, exper em linhas do tempo, estimou que visitamos Dunas de Itaúnas mais de 40 vezes. Só nessa vida! Eu, rei da planilha, desde cedo computei: gasolina extra e aluguel de casa versus shopping e colônia de férias... Prazer, descanso, alegria... Saldo: positivo para as distâncias. Espremermos no apartamento em janeiros chuvosos era sinônimo de tédio. Partíamos de madruga enquanto as crianças ainda dormiam. As estradas menos movimentadas nesses alvoreceres e o sossego dentro do carro rendiam quilômetros. Dizia a mim mesmo: faço xixi nas calças, mas não paro enquanto a calma reinar dentro do carro. Afinal, um dia inteiro pilotando com crianças agitadas azucrinando os ouvidos era tarefa digna de muito cuidado. A bagagem? Imaginem... Levávamos tudo e um pouco mais naquele Gol branco de dois carburadores adquirido com o traço do giz de aulas e mais aulas. As bicicletas iam balançando, penduradas no suporte. E o medo de despencarem! No porta malas mal cabia o amontoado de coisas. Certa vez, ganhei espaço adquirindo um bagageiro de teto preso ao friso lateral. Não sou tão burro assim... Inteligentemente, coloquei, sobre o novo bagageiro, objetos leves. Um cesto, tipo um bercinho que a mamãe dedicada produziu especialmente para o bebê de pouco mais de 6 meses. Dentro dele, a banheira de plástico, mais algumas panelas, panos, roupas de cama... Tudo muito bem acondicionado. A reta era longa. A cantoria dentro do carro corria solta... ”Uma bonequinha preta, quis ver um gatinho um dia”... Aproveitei e acelerei. Faltavam pouco mais de 100 km para nosso destino. De repente, pelo retrovisor observo algo pipocando no asfalto. Rodopiando e cambalhotando feito uma perereca. Atentei. Movíamos em sentidos contrários. Olhei detalhes... Estupefei-me quando entendi. Seria possível? Era o bagageiro de teto inteiro e toda a farofada dentro que se soltara. Literalmente voou pelos ares e aterrissou sobre o asfalto como um avião desgovernado. Sorte que a estrada estava vazia. Puts... Foi foda. As vozes silenciaram-se dentro do carro. Parei e voltei. Avaliei estragos. Acomodamos tudo que restou dentro do Gol. Os ferros entortados do bagageiro ficaram pelo caminho. Seguimos viagem embolados entre cestos e banheiras... As férias foram maravilhosas! Assim, a vida! No fim tudo dá certo.


Imagem do post em <https://pin.it/2IbEOFB>

 

Atualizado: 25 de ago. de 2022

Gielton





Desci dos céus alguns anos depois do meu irmão, o queridinho da família, muito esperado e desejado pelos pais. Eu, nem tanta novidade trouxe. Aliás, vim desarrumando a casa, ventando novas turbulências.


Fui um bebê chorão. Esgoelava para conquistar espaços. "Às duras pernas" corria atrás do mano. Eu engatinhava, ele pulava. Eu balbuciava, ele contava casos, eu mamava, ele comia... Estava sempre anos luz à minha frente! Vivia um eterno superar-me para alcançá-lo. Mesmo sem chegar perto tornei-me independente, dono dos meus "narizes". Talvez!!!


Éramos bons parceiros de jacaré com prancha de isopor nas praias de Guarapari. As ondas eram enormes na minha visão. Certa vez, esfolamos feio as barrigas depois de um dia inteiro entre idas e vindas mar adentro. Bons tempos...


Cada um tinha seu carrinho de rolimã. O meu era de rodas de velocípede e corria "pra caramba". Na descida da Peperi, junto à criançada da rua, às vezes, rolavam altas capotagens. As rodas girando com o carrinho de ponta a cabeça era sinal dos cotovelos arranhados na terra. Nada demais...


Lavar e encerar a Vemaguet azul do papai era tarefa compartilhada. Brilhava como espelho tanto quanto as dores nos braços ao entardecer. Uma voltinha no quarteirão era o brinde que a equipe conquistava. Um presentão...


No campinho podíamos até jogar no mesmo time. Porém, ele sempre era escolhido antes de mim. Além disso, papai o achava um craque de bola. De mim? Nada dizia... O ciúme quase me matava. Eu até corria bastante mas, o desajeitado aqui, deixava a pelota quadrada.


Encantava-me sua organização. Colecionador nato, certa vez, reuniu tantas, mas tantas gominhas - dessas de prender notas - e construiu uma bola bem grande. Fissurei com a tal redonda emaranhada que quicava igual maluca. Entristecia-me a "amarração" para emprestá-la.


Meu irmão, às vezes era irritante, fazia altas picardias. Caía em suas pegadinhas como um bobo. Se estávamos no sofá vendo TV, só para sacanear, me pedia para buscar algo na cozinha. Na volta, o espanto:


— Sai do meu lugar, eu estava aí primeiro.


Reclamava em pose de injustiçado.


— Haha, quem foi ao ar perdeu o lugar.


Retrucava ironicamente.


Enquanto comíamos pipoca ele ia algumas vezes até a cozinha. Quando a vasilha de pipoca chegava ao fim, lá vinha ele com um tanto a mais que havia escondido só para nos fazer vontade.


— Eu tenho, vocês não têm!!!


Odiava isso...


Certa vez, provavelmente por um motivo besta, fiquei irritado e saí nos tapas. Ao invés de me agredir apenas se defendeu. Encostou-se na parede, levantou uma das pernas, encolheu os braços protegendo corpo e cabeça e deixou que eu batesse à vontade. Ainda por cima ria demonstrando que meu ataque de fúria muito pouco lhe afetava. Seu deboche me deixou ainda mais raivoso e quanto mais eu batia, mais ele ria até que, bufando, desisti. Saí chorando...


— Ô mãe olha ele aqui me batendo!!!


Quando jovens nos tornamos cúmplices das nossas peraltices. Tínhamos nossos segredos sagrados. Compartilhamos por longo tempo nossos amigos. Passamos, ambos, a ter duas turmas para as baladas, futebol, barzinhos, shows, encontros... Era uma honra ser íntimo de seus companheiros.


Um dia, assim meio que de repente, passei a dormir sozinho no quarto que dividimos por anos e anos. A cama vazia ao lado acolheu as boas lembranças entocadas em um cantinho especial do meu coração. Ele se fora... estudar nos interiores das Minas Gerais!


Assim, a vida! Irmandade eterna...


 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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