PATIFARIA
- Gielton
- 2 de jun. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 29 de jun. de 2022
Gielton
Narração da crônica
Eram apenas dois jovens descobrindo o amor. A ânsia de estarem juntos era muito maior que o apetite sexual. Talvez não transparecesse, pois viviam agarrados um no outro. Um grude de fazer inveja. Apeteciam-lhes deitar em concha e dormir sentindo as vibrações um do outro. Nada demais. O mundo em quebras ainda era torto. Haviam regras hipócritas para serem desregradas. A caretice tinha vigor. Que mal há em adormecer a dois? Não, só depois do casamento...
A década era 80 no Brasil. O primeiro beijo foi nas águas do São Francisco, em Pirapora. Naquela noite, os dois, estudantes universitários em férias, partiam para uma grande aventura na terra brasilis. Enquanto a maioria dos ocupantes do barco dormiam em redes, eles deitavam-se sobre sacos de dormir estendidos no assoalho. Ali, tão pertinho, tão colados, juntaram os lábios. Os beijos foram ardentes em uma noite inesperada de luar a clarear as águas do rio como poeira de estrada.
Era o começo de uma ardente paixão. Ficaram juntos os trinta dias do restante das férias. Andavam em bandos com inúmeros e diferentes amigos, mas se cumplicizavam nos momentos a dois. Tornaram-se um casal. Dividiram pratos feitos, redes de dormir e muitas e muitas caronas.
O discurso colava nos postos de gasolina. Diante dos caminhoneiros em fim de almoço diziam:
— Somos estudantes universitários e viajamos pelo país para conhecer a nossa cultura. Você poderia nos dar uma carona?
Viajaram! Conheceram lugares e pessoas. Conheceram a si! Encontraram a paz do amor correspondido. Sem palavras, sem lógica, sem raciocínio. Sabe-se, apenas. Regressaram apaixonados e seguros de um propósito: envelhecer juntos.
Namoravam por horas pendurados aos telefones fixos - essa era a condição da época. Quando possível escapavam. Fugiam. Às vezes pernoitavam em casas de amigos. Cada feriado, um passeio diferente. A juventude resplandecia como uma fonte suprema de energia.
Certo dia foram convidados a uma conversa com os pais da moça. O rapaz, franzino, magro de costelas a vista e cintura tão fina quanto um disco de vinil, chegou desavisado. Não imaginava o que se sucederia.
Depois dos cumprimentos tradicionais, abraços sem graça e apertos de mão, o pai da moça toma a palavra.
— Sei que namoram há algum tempo e temos agrado por você, meu jovem. Nos parece estudioso e bem intencionado.
O jovem sorriu em forma de agradecimento. O pai da moça continuou.
— No entanto, não podemos aceitar esse namoro moderno, esse jeito avançado de relacionar com sexo antes do casamento.
Perplexo, o jovem reage timidamente.
— Como assim, Sr Carlos?
Carlos Moreira Borges, um homem, daqueles enormes, ex-jogador de basquete aproximou-se do namorado da filha, deixando tudo escuro frente a sombra que seu corpo fez sobre a lucidez possível para aquele momento.
— É isso mesmo que ouviu. De hoje em diante não aceitaremos mais essa patifaria. Viagens a dois, acampamentos, noites fora de casa. Com o ato já consumado impomos que se casem imediatamente.
Encurralado contra a parede, diante daquele homenzarrão pressionando todos os seus órgãos o menino franzino responde.
— Caso, sim senhor!
Assim, a vida! A modernidade é conquista de gerações.
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Muito bom!