A CAMA VAZIA
- Gielton
- 11 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 25 de ago. de 2022
Gielton
Desci dos céus alguns anos depois do meu irmão, o queridinho da família, muito esperado e desejado pelos pais. Eu, nem tanta novidade trouxe. Aliás, vim desarrumando a casa, ventando novas turbulências.
Fui um bebê chorão. Esgoelava para conquistar espaços. "Às duras pernas" corria atrás do mano. Eu engatinhava, ele pulava. Eu balbuciava, ele contava casos, eu mamava, ele comia... Estava sempre anos luz à minha frente! Vivia um eterno superar-me para alcançá-lo. Mesmo sem chegar perto tornei-me independente, dono dos meus "narizes". Talvez!!!
Éramos bons parceiros de jacaré com prancha de isopor nas praias de Guarapari. As ondas eram enormes na minha visão. Certa vez, esfolamos feio as barrigas depois de um dia inteiro entre idas e vindas mar adentro. Bons tempos...
Cada um tinha seu carrinho de rolimã. O meu era de rodas de velocípede e corria "pra caramba". Na descida da Peperi, junto à criançada da rua, às vezes, rolavam altas capotagens. As rodas girando com o carrinho de ponta a cabeça era sinal dos cotovelos arranhados na terra. Nada demais...
Lavar e encerar a Vemaguet azul do papai era tarefa compartilhada. Brilhava como espelho tanto quanto as dores nos braços ao entardecer. Uma voltinha no quarteirão era o brinde que a equipe conquistava. Um presentão...
No campinho podíamos até jogar no mesmo time. Porém, ele sempre era escolhido antes de mim. Além disso, papai o achava um craque de bola. De mim? Nada dizia... O ciúme quase me matava. Eu até corria bastante mas, o desajeitado aqui, deixava a pelota quadrada.
Encantava-me sua organização. Colecionador nato, certa vez, reuniu tantas, mas tantas gominhas - dessas de prender notas - e construiu uma bola bem grande. Fissurei com a tal redonda emaranhada que quicava igual maluca. Entristecia-me a "amarração" para emprestá-la.
Meu irmão, às vezes era irritante, fazia altas picardias. Caía em suas pegadinhas como um bobo. Se estávamos no sofá vendo TV, só para sacanear, me pedia para buscar algo na cozinha. Na volta, o espanto:
— Sai do meu lugar, eu estava aí primeiro.
Reclamava em pose de injustiçado.
— Haha, quem foi ao ar perdeu o lugar.
Retrucava ironicamente.
Enquanto comíamos pipoca ele ia algumas vezes até a cozinha. Quando a vasilha de pipoca chegava ao fim, lá vinha ele com um tanto a mais que havia escondido só para nos fazer vontade.
— Eu tenho, vocês não têm!!!
Odiava isso...
Certa vez, provavelmente por um motivo besta, fiquei irritado e saí nos tapas. Ao invés de me agredir apenas se defendeu. Encostou-se na parede, levantou uma das pernas, encolheu os braços protegendo corpo e cabeça e deixou que eu batesse à vontade. Ainda por cima ria demonstrando que meu ataque de fúria muito pouco lhe afetava. Seu deboche me deixou ainda mais raivoso e quanto mais eu batia, mais ele ria até que, bufando, desisti. Saí chorando...
— Ô mãe olha ele aqui me batendo!!!
Quando jovens nos tornamos cúmplices das nossas peraltices. Tínhamos nossos segredos sagrados. Compartilhamos por longo tempo nossos amigos. Passamos, ambos, a ter duas turmas para as baladas, futebol, barzinhos, shows, encontros... Era uma honra ser íntimo de seus companheiros.
Um dia, assim meio que de repente, passei a dormir sozinho no quarto que dividimos por anos e anos. A cama vazia ao lado acolheu as boas lembranças entocadas em um cantinho especial do meu coração. Ele se fora... estudar nos interiores das Minas Gerais!
Assim, a vida! Irmandade eterna...
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