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  • Foto do escritor: Gielton
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Gielton





Nasci em uma tradicional família mineira, de muitos tios, tias, primos e agregados. Religiosamente católica. Na média, pouco praticante. Árdua defensora da moral e bons costumes. Muito disso tudo, para fora. Pouca coerência entre o dito e o feito.


Pode ser que encrustadas entre as montanhas, a mente desconfiada do mineiro preserve a moral das aparências. Coisas são feitas às escondidas. Custei a perceber!


Os churrascos nas casas de primos prósperos eram frequentes. Em dias dos pais, das mães, Natais e alguns aniversários celebrávamos bons encontros. Adorava! Era parte.


A lembrança orgulhosa, ainda na infância, era pertencer ao clube “do bolinha” - uma divisão límpida com linha muito bem demarcada. Homens de um lado bebendo, fumando, discutindo futebol, jogando cartas, contando piadas e gargalhando alto sem o menor pudor. Do outro, mulheres servindo...


Isso era ser homem. Assim, aprendi os jeitos e trejeitos, os gostos e padrões, os gestos e jargões... A masculinidade estampava-se na força muscular, no jeito bruto e escrachado de ser, no "sem frescura" - atualizado hoje pelo "deixa de mimimi" - na forma tosca de tratar o mundo, as pessoas, as mulheres. A lógica rasa das questões sociais mais complexas e a ignorância do sentimento faziam parte da nossa inteligência, supostamente superior.


Ser Gay? Nem pensar! Desejar outro homem? Incabível! Senão, estaria fodido! Literalmente. Não sofri preconceitos. Os tive, simplesmente.


Criei teorias. Na adolescência dizia: nada tenho contra os "bichas", desde que não mexam comigo. Os tolero. Por dentro, a vontade mesmo era de acabar com a raça deles. Será que essa repugnância os atraía? Nossa, de quantos olhares desviei. Quanta raiva senti!


Orientação sexual? Só existia uma. A minha, claro: homem que gosta de mulher. O diferente era distúrbio. Fique com seu transtorno longe de mim. Sei lá, dá que eu pego isso...


Nesse modelo construí minha identidade masculina e dela extraí a explicação "científica" para os "afeminados": homens que não deram conta das mulheres. Simples assim. Uma frase de impacto e muitas narrativas! Pense... Sente alguma conexão?


Tive a sorte, talvez intuição, de escolher para cúmplice da minha vida uma feminista. Uma professora de ampla visão social e humanista. A quem a dor do outro é retrato de si mesma. Para acolher basta estar, é parte do ser. Uma mulher livre! Além e presente no seu tempo.


Perder essa oportunidade? Nem pensar! Agarrei o cipó da vida e, pensante, me deixei levar... Fácil? Dolorido derrubar crenças internas alicerçadas em modelos tão bem estruturados. Vergonha ao perceber tanta poeira por trás da cortina. Reagir e assumir? Mais difícil ainda. Podia guardar comigo, mas é momento de me declarar!


Não sou gay! Por raras vezes me senti atraído por outro homem. Prefiro as mulheres! Sinto-me em paz com minha sexualidade. Pelo menos por enquanto.


Apuro cotidianamente o respeito pelo outro no mais alto grau da empatia que alcanço. No âmago dessa consciência cresce, a cada dia, o desejo de desejar o melhor a todos, sem restrições. O amor entre almas transcende orientações. Não há setas, formas, condutas e padrões para amar.


O amor multiplica! Irradia as benesses da alta vibração. Expande consciência e potencializa acolhimento. Amplifica o universo interior e infla o ego da bondade.


Preconceito restringe, limita, estreita...


Há muito detrito em mim a ser depositado nas lixeiras do sentimento. Catar cada grão, por menor que seja, e reduzir o peso da intolerância que se hospeda nas entranhas da consciência, é tarefa diária.


De coração quente e mente transparente digo: estou ao lado dos gays, assumidos ou não, na luta pelo direito, mais que justo, de serem!


Avante!


Assim a vida! Destinos podem selar uma história.


Imagem do post em <https://pin.it/6FRW3e1>

 
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Gielton




A Lua arredondada espiava lá de cima. Bem de perto uma estrela brilhante acompanhava seu movimento. Qual seria?


Cá de baixo sua branquitude nítida desvendava mistérios de uma grande celebração. Que combinação!


A reza conduzida por mulheres de força espiritual transcendente reverenciava, no sincretismo, a santa: Nossa Senhora do Rosário.


A pequena procissão em círculo passou para beijá-la e, assim, receber a graça em vida e morte aclamada por vozes de potência sobre-humana!


Enquanto isso, a fogueira ardia. Toras de madeira inflamadas cintilavam clareando o entorno e aquecendo os coros dos Tambus dispostos ao redor da quentura.


A bandeira em mastro era elevada por "músculos másculos" ao som afinado de cantigas: "Tá caindo fulô". Quanta simbologia, quanta crença, quanta aproximação com outas dimensões.


No céu, a tal Lua dava seu tom de alegria que, oposta à fogueira trazia cores de tom avermelhado à linda bandeira, agora de pé. Os vivas aclamavam a santa adorada.


Ao som dos Tambus, tocados por mãos carinhosamente firmes, a multidão de turistas, como eu, sente a vibração e força dos ritmos. Esses, sim, ondulam o terreiro, especialmente cuidado nessa data, e transmitem aos corações ali presentes toda a sua bondade.


Evocados os cantos que expressam a beleza e dureza de um cotidiano vivido pelo povo local, nos fazem refletir sobre a herança dessa tradição vinda de remotos tempos de muito sofrimento do povo negro.


De portas, janelas e corações, a "Casa Aberta" acolhe com caldos, chás e quitutes, preparados a inúmeras mãos com o esmero que só elas conhecem. Os turistas adentram a cozinha e servem-se desse alimento para além do corpo. Energia que se transmite nos olhares e sorrisos de quem deu seu melhor para aquele momento.


A madrugada já avançava pela noite quando nos despedimos de Nossa Senhora do Rosário. Estupefatos com tamanha recepção e generosidade dessa gente que carrega na alma coletiva a força ancestral, nos retiramos em silêncio.


A Lua, ainda soberana, clareou nossa rota pela estrada de terra batida ao som distante das batidas dos Tambus que prometiam festa até o amanhecer.


Até a próxima!


Assim, a vida! Obrigado Nossa Senhora do Rosário!


 

Atualizado: 27 de jun.

Gielton

Desenho a mão de uma pessoa no convés de um navio


Às vezes a gente só quer silêncio, você me entende?


Deixei a dor penetrar e adentrei em mim. Não quero conversa. Falar, não quero. Amuei!


Convergi aos afazeres. Dessa vez, labor com as mãos e ferramentas. Claro, na tarefa há pensamentos, formas, sequências. Estas, perpassam o humano em todas as suas dimensões.


O estado de espírito afetou-se. Apelei com a mangueira vazia que insistia em enrolar-se. Como eu, embrulhado em mágoas e atado ao ontem, fiz do remorso meu modo. Triste perdurei, enquanto o tempo precisava.


Virei-me na cama. Do lado preferido enconchei-me a mim mesmo. As mãos aquecidas entre as coxas não diminuíram a frieza desolada do estar. Bateu saudades de quem se foi há pouco. Inerte e melancólico deixei algumas lágrimas molharem o travesseiro.


Não me lembro dos sonhos, mas clareei mais disposto. Brinquei com a cadela e testei meu invento regando hibiscos novos recém-mudados. Catuquei, mexi e virei. Entranças de um novo dia.


Nada de falar ainda. Não quero. Fiquei no trivial, no estrito, nada mais do que o inescusável. O baque fora grande. Ainda recuperando da "traulitada".


Li. Li Riobaldo. Estremeci com suas filosofias. Continuei lendo. Páginas voam em asas de papel e palavras encharcam nosso estado — amálgama dos bons ares. Seus dramas, digo de Riobaldo, eram outros, diferentes dos meus, mas alentaram. E como!


Fui me redimindo. O coração acabrunhado e encolhido soltou levemente as amarras, como se fosse possível navegar novamente. Ainda dói, mas a desesperança, que antes era corpo todo, agora é só ponta de braço — esvai-se pelas bordas dos dedos igual raio em descarrego.


Encontro-me aqui com polegares em frenesi, de letra em letra, buscando aquilo que o sentir sente. Difícil tradução. Confusa sensação. Nem sei a língua que fala.


Deixo a pálpebra sobre os olhos esmaecer a claridade. Entorno em mim. Ainda perturbado, estremecido e tenso, enxergo por dentro um aguardo de dias melhores.


Assim, a vida. A letra que salva.

Imagem do post em <https://pin.it/60ZcaRL>


 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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