- Gielton
Gielton

Como de costume, partimos às cinco da manhã. Afinal, não queria estragar o relaxamento conquistado nesses dias de praia em fileiras de automóveis na chegada caótica de Belo Horizonte. Quanto antes sairmos, menores seríam as chances de desperdiçarmos a calmaria interna. Este era o cálculo subjacente ao planejamento impecável.
Nunca fui de correr. O lema sempre foi continuidade. Parar pouco, só o necessário. Atender com agilidade as necessidades e pé na estrada. Prudência era a chave da paz aos passageiros. Íamos nessa toada.
Inexplicavelmente, neste dia, havia certa tensão no ar. Algo fugidio captado por um sexto sentido. Seria o calor intenso de Governador Valadares que ficara para trás a poucos minutos? O ar no talo refrescava o ambiente, mas essa "coisa" infernal pairava sobre nós.
A reta era longa. Mesmo com a visão paralela ao asfalto que parece miragem de um tremular de vapor d'água subindo, tinha certeza que nenhum veículo vinha no sentido contrário. De fato, a pista estava livre.
A ultrapassagem àquela carreta de mais de 30 metros ia bem. Pelo retrovisor via outro carro na minha traseira cortando a tal carreta junto comigo. É certo que a velocidade não era tão baixa, mas também, não exageradamente alta. O suficiente para a realizar a manobra com segurança.
De repente, no momento em que meu capô se emparelhava com a frente da carreta, do meu lado esquerdo, um carro branco, na maior pressa, trespassava todo mundo pelo acostamento oposto. Que loucura, pensei rápido...
Na mesma rapidez do pensamento, escutei o estalar de uma pedra que, por um contato ínfimo, deixou o carro branco desgovernado. Ele cruzou a pista na nossa direção, passou voando na frente do meu parabrisa e seguiu nessa diagonal pela frente da Scania. Atravessou para o outro lado da pista sem tocar em nenhum outro veículo e, rodopiando no ar, subiu um barranco de uns dois metros de altura. Repousou sobre um platô no meio do mato com as rodas sobre o chão e a frente do veículo voltada para trás em relação à pista. Tudo muito mais rápido que se possa imaginar. Foi por pouco, muito pouco... Muito pouco, mesmo...
Mal processava essa fração de segundos quando ouvi.
— Para, pai. Para, pai.
Estacionei imediatamente. Descemos eu e meu filho para não sei o que. Não tinha planos na cabeça. Não saberia o que fazer, qualquer que fosse o caso. Tive medo de me deparar com um defunto e não dar conta das emoções. Fui assim mesmo, correndo, movido por um impulso inexplicável.
O sujeito estava preso ao cinto levemente inconsciente com algum sangue no rosto. Por mais que tente, não consigo me lembrar de sua fisionomia, mas suas palavras ecoam até hoje.
— Onde está minha arma?
Logo chegaram outras pessoas. Ouvi alguém ao telefone solicitando atendimento. Era a deixa. Saí de fininho levando a reboque um enorme sentimento de culpa.
Ainda muito confuso, liguei o carro. Seguimos perplexos, envoltos em dúvidas. Uma névoa de nebulosidade pairou sobre nós o restante do trajeto. A cena do carro voando e girando bem na minha frente orbitou a imaginação dias a fio.
Recentemente, em um encontro de família, meu filho disse: nunca mais consegui dormir em viagem depois daquele acidente.
Assim, a vida! Nos desafiando a cada esquina.
<imagem gerada por IA>