PRA BOI DORMIR
- Gielton
- 16 de mai. de 2024
- 1 min de leitura
Gielton

Já haviam terminado o almoço, mas permaneciam papeando. A garrafa de cerveja, ainda cheia, compunha a mesa com os pratos vazios deixados ao lado.
Um deles lia "O tempo". Mais folheava do que se concentrava. As letras mal se sustentavam sobre o jornal que pendia a quase dobrar para baixo. Só não o fez por milagre do pouco peso. As pernas cruzadas com um dos pés sobre o joelho, como os homens costumam usar, davam o ar de machos locais, aqueles dos interiores das Minas Gerais. Nem tanto. Talvez a idade, já passada a juventude, tenha lhes tirado o vigor, mas o jeito não negava a presunção de pegadores ou metidos à besta. Sobre os óculos, a todo o tempo, o olhar se desviava para a rua, como se os poucos transeuntes fossem a notícia que mais interessava.
O papo parecia sem nexo. Entre um e outro gole de cerveja, a voz levemente arrastada e baixa, não permitia ouvir em detalhes o diálogo intercalado por grandes silêncios. Claramente era conversa para boi dormir.
De repente, ambos se viraram para a calçada. O jornal, largado sobre a mesa, enciumou-se quando a calçada ganhou atenção.
— Você viu?
— Delícia, né.
— Se desse mole, eu comia...
— Vem não, você não aguenta aquilo.
— É, não guento mesmo não, mas, olha, não sai do pensamento...
Caíram na gargalhada.
Nem desconfiaram...
Assim, a vida! Até quando esse corriqueiro impregnado?
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