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Atualizado: 18 de ago. de 2022

Gielton





Não foi amor à primeira vista. Como bom mineiro, desconfiado, coloquei um pé atrás. Melhor esperar. Oferecer meu coração assim todo de uma vez? Não! É preciso cautela. As feridas da vida exigem prudência. Afinal, pequenos esbarros podem descolar as casquinhas recém cicatrizadas.


Ela, acabrunhada, se escondia. Revelar-se de todo talvez fosse uma estratégia arriscada para quem ainda está se conhecendo. É certo, sua tenra idade dava sinais de imaturidade. Havia medo. Esse, revelado quando se entocava em algum canto da casa.


Em pouco tempo identificamos os prazeres a dois. A proximidade física é sinônimo de bem estar. Nessas frações de tempo, o simples acariciar conecta os laços. Como pequenos fios de energia, esses sinais bidirecionais vão e vêm. Assim que captados são imediatamente traduzidos em puro deleite.


Ambos apreciamos boas e longas, caminhadas. Às vezes permanecemos lado a lado enquanto os pés avançam aos passos. Outras, mantemos certa distância de respeito ao que cada um trás dentro de si. O silêncio, muitas vezes, é uma forma preciosa de comunicação.


Adoramos cachoeiras. Vamos juntos, a qualquer hora do dia. Eu, sem medo da temperatura, adentro o riacho, recebo a ducha e permaneço. Depois, "quento o Sol" escarrapachado na rocha. Ela prefere o movimento. Andar nas pedras, subir, descer. Um certo desassossego impulsiona seu estar. Mesmo assim permanecemos sintonizados.


Por algumas vezes nos distanciamos. Dias e mais dias sem encontros. Não importa o motivo, mesmo que esteja atarefado com a mente ocupada, a saudade chega de mansinho e se instala. O pensamento vai lá e pergunta: será que ela está bem?


Ah, o reencontro vem recheado de abraços calorosos. A alegria dessa hora é "incontível". Os pulos dos corações saltam alturas inatingíveis. Tudo espevitado até que a calma se reinstale. Aí, ela deita-se ao chão para receber cafuné na barriga. De patas para cima entrega-se como ninguém ao momento. O desejo desvairado a faz lamber meus pés, mãos, cotovelos. Quer morder, farejar...


Hoje, quase sete meses depois do nosso primeiro encontro, posso dizer com toda certeza: nos amamos. Maia, minha nova companheira: seu latido rouco conquistou meu coração.


Assim, a vida! Amar nunca é demais!




 
  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton

Atualizado: 13 de jul. de 2022

Gielton






"Viajar é produto de cesta básica": lema esculpido pela minha mulher e seguido à risca pelo casal. Aliás, nos enamoramos em uma viagem! Ela, exper em linhas do tempo, estimou que visitamos Dunas de Itaúnas mais de 40 vezes. Só nessa vida! Eu, rei da planilha, desde cedo computei: gasolina extra e aluguel de casa versus shopping e colônia de férias... Prazer, descanso, alegria... Saldo: positivo para as distâncias. Espremermos no apartamento em janeiros chuvosos era sinônimo de tédio. Partíamos de madruga enquanto as crianças ainda dormiam. As estradas menos movimentadas nesses alvoreceres e o sossego dentro do carro rendiam quilômetros. Dizia a mim mesmo: faço xixi nas calças, mas não paro enquanto a calma reinar dentro do carro. Afinal, um dia inteiro pilotando com crianças agitadas azucrinando os ouvidos era tarefa digna de muito cuidado. A bagagem? Imaginem... Levávamos tudo e um pouco mais naquele Gol branco de dois carburadores adquirido com o traço do giz de aulas e mais aulas. As bicicletas iam balançando, penduradas no suporte. E o medo de despencarem! No porta malas mal cabia o amontoado de coisas. Certa vez, ganhei espaço adquirindo um bagageiro de teto preso ao friso lateral. Não sou tão burro assim... Inteligentemente, coloquei, sobre o novo bagageiro, objetos leves. Um cesto, tipo um bercinho que a mamãe dedicada produziu especialmente para o bebê de pouco mais de 6 meses. Dentro dele, a banheira de plástico, mais algumas panelas, panos, roupas de cama... Tudo muito bem acondicionado. A reta era longa. A cantoria dentro do carro corria solta... ”Uma bonequinha preta, quis ver um gatinho um dia”... Aproveitei e acelerei. Faltavam pouco mais de 100 km para nosso destino. De repente, pelo retrovisor observo algo pipocando no asfalto. Rodopiando e cambalhotando feito uma perereca. Atentei. Movíamos em sentidos contrários. Olhei detalhes... Estupefei-me quando entendi. Seria possível? Era o bagageiro de teto inteiro e toda a farofada dentro que se soltara. Literalmente voou pelos ares e aterrissou sobre o asfalto como um avião desgovernado. Sorte que a estrada estava vazia. Puts... Foi foda. As vozes silenciaram-se dentro do carro. Parei e voltei. Avaliei estragos. Acomodamos tudo que restou dentro do Gol. Os ferros entortados do bagageiro ficaram pelo caminho. Seguimos viagem embolados entre cestos e banheiras... As férias foram maravilhosas! Assim, a vida! No fim tudo dá certo.


Imagem do post em <https://pin.it/2IbEOFB>

 

Atualizado: 18 de ago. de 2022

Gielton





Às vezes é difícil pescar histórias para contar. Mesmo atento ao entorno, elas parecem escapar pelas frestas das distrações. Fogem pelas gretas do pensamento. Quando se vê, já se foram.


Esses dias têm sido assim. Talvez pelo excesso de afazeres. Pode ser pela desconexão comigo mesmo. Quem sabe pela tensão em escrever rápido algo que toque você aí do outro lado da palavra.


Minha metade diz, "não tenho obrigação". A outra responde, "mas eu quero continuar escalando as palavras"... Eita dilema!


Ontem ela veio. Quem? A tal história boa de narrar, boa de contar e que fez trepidar minhas profundezas.


Vem comigo!


Outro dia, entrando na portaria, aqui onde moro (expressão expropriada), deparei com um porteiro desconhecido. Dentro do carro, pela janela aberta, reparei seu semblante. Tentei ser delicado.


— Boa noite. Gosto de tratar as pessoas pelo nome. Não me lembro de ter cruzado ainda com você. É novo por aqui?


Respondeu prontamente.


— Sim, tem menos de um mês que trabalho aqui. Passei muitos anos no material de construção do Jovino.


— Bem vindo, espero que dê tudo certo. Qual o seu nome?


— Avelino! Vai dar sim. Quero me aposentar aqui...


Empolgado, esticou os cantos da boca em um belo sorriso! Percebi sua alegria. Era visível.


— Vai sim! Boa noite.


Avelino... Vou esquecer. Sou ruim para nomes. Fixarei na primeira letra do alfabeto. Vou associar com avelã, que tem o "v". Pronto!


Duas semanas depois...


Estava de saída e me veio à mente o Avelino. Lógico que não lembrava seu nome, mas sua fisionomia era clara como neve... "E se for ele que estiver na portaria?".


Dito e feito, quer dizer, pensado e acontecido. Intuições...


— Boa noite.


Franzi a testa, enruguei as sobrancelhas e disse com aquele ar "desculposo".


— Não me lembro de seu nome completo, mas sei que começa com "a" e tem "v".


Girou a cadeira e disse.


— Avelino! E você é Gil...alguma coisa!


Levantou-se da cadeira e caminhou em minha direção.


— Você foi o primeiro a perguntar meu nome. Não te esquecerei jamais. Aliás, tenho notado que as pessoas aqui não costumam agir dessa forma...


Curvou o corpo, abaixou o tom da sua voz, e sussurrando completou.


— Sinto certo distanciamento! Muitos passam sem ao menos olhar. Apontam o cartão no leitor, esperam a cancela e se vão... É como se eu não existisse.


Levei um tapa! Saí honrado e pensativo... Que mundo é esse de tantas imagens e tão pouca visibilidade.


Assim, a vida! Histórias nasceram para serem contadas. Ou não!


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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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