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    Gielton

Atualizado: 14 de jun. de 2023

Gielton



Balançando entre as emoções

Gosto de pensar em eixos. Eixos do pensamento que, como um fio me conduzem a dimensões distantes, a ideias preenchidas em um todo simultâneo.


A Terra, por exemplo, possui um eixo, imaginário é claro, como aprendi com os professores de Geografia, lá pela quinta série. Mas, para que esse eixo? Relaciona-se à sua rotação, ao seu equilíbrio? Afinal, a Terra precisa se manter estável em torno de si. Firme em seu trajeto rodeando o Sol para que a vida transcorra em sua superfície.


Medito sobre meu eixo, imaginário, lógico. Visualizo-o vertical, iniciando no centro da cabeça, descendo pelo centro do tórax até tocar o sexo. Acompanha meus movimentos, segue comigo onde quer que eu vá. Interage com outros que afetam-se mutuamente. Eu que o estabilizo ou ele que não me deixa tombar? Sei lá, talvez um pouco de cada!


Por estímulos banais ele arreda de lado e inclina-se. Pode ser uma frase mal dita, um pedido não atendido, o leve tocar feridas em cicatrização, um sonho, aquele repentino café quente queimando a língua, um tropicão na pedra da trilha... As emoções pesam exageradamente sobre a balança descalibrada. Sei apenas que só percebo tempos depois. Lerdo eu, né?


Com o veio pendente e bambo como uma fina corda pendurada, desestabilizo-me. Faço das pequenas coisas armadilhas da alma que, ingenuamente, se deixam capturar como uma presa. Tolhido, o ser interior se contorce e esperneia como um besouro de costas para o piso. Entra em transe, em recorrências, gira atonitamente sobre si mesmo. A gangorra vai e volta enquanto a consciência se transfigura pelo caminho.


Uma noite bem dormida, uma película amorosa, um devaneio, aquele Jazz bem executado, seu time de futebol triunfando, sua mulher lhe acarinhando, podem aprumá-lo. O centro se restabelece. Liberta a alma das amarguras de outrora. O outono de folhas secas transmuta-se em primaveras floridas.


Aí sim, resgato minha essência. Reconheço-me. Encontro o amor dentro do peito e a paz no canto dos pássaros e na fina chuva do entardecer. Uma leve sensação de plenitude me habita.


Esses dias, uma cachoeira me deixou assim, como a Terra que gira suave sobre si mesma sem tontear. Deixei a ducha gelada leve como uma pluma, quase sem gravidade, volteando em harmonia com nosso planeta. Enquanto o Sol incidia luz e calor sobre a rocha, meu corpo nu se aquecia.


Assim, a vida.


Imagem do post em <https://pin.it/CxbMeQQ>


 

Atualizado: 6 de ago.

Gielton


Pedaço de abóbora




Você também odiava legumes na infância?


Abóboras no carro de boi se ajeitam e se encaixam a cada solavanco. Os pequenos vazios se entrelaçam aos gomos que roçam uns nos outros, tecendo uma rede de contatos ao longo do caminho. Metáfora da vida?


Confesso, quando criança não gostava de legumes, quase nenhum. Preferia o tradicional bife, passado em duas frigideiras pela minha mãe, com batatas fritas, arroz e feijão. A carne vinha com um caldinho especial, bom de molhar o arroz e deixá-lo em tom amarronzado-escuro. Hummm… que delícia!


Abóbora? Nem pensar. A textura não agradava. O formato disforme causava certa ojeriza. O sabor? Esse não descia "nem a pau". Era preciso tapar o nariz para suportar o cheiro, mesmo com o preparo cuidadoso.


Bebês são incentivados a saborear legumes quando colherinhas viram aviões que entram nas garagens de seus bocões abertos. "Iõnnn". Às vezes, aceitam, outras, não. Para as crianças crescidas, as brincadeiras onomatopaicas dão lugar a outros convencimentos.


— Mãe, não gosto de abóbora.


— Vou deixá-la amassadinha no feijão. Você vai ver que delícia!


O feijão batido se alaranjava e perdia o gosto. Buscava nos cantos do prato a parte roxinha não misturada para evitar o sabor da abóbora. Quando possível, furava a gema do ovo mole para disfarçar o paladar.


Enquanto as abóboras continuam seu balé nos carros de boi, meu gosto foi aprendendo novos passos. Já moço, seguindo as pautas do meu tempo, tornei-me vegetariano. Parei com a carne e foi assim que a moranga, abobrinha, cenoura amarela, vagem e couve foram conquistando espaço no meu cardápio.

Na estrada, levando comigo a sombra da infância, fui incorporando novos tons ao paladar. De carona, viajamos, eu e minha namorada, pelo Brasil afora. Uma panelinha amarrada à mochila era a base do nosso cuidado alimentar. Ao lado da barraca armada na areia da praia, improvisávamos nosso próprio fogão à lenha. Ali mesmo, cozinhávamos sempre o mesmo prato: carne de soja com abóbora. Barato, simples, cheio de sabor.


Hoje, com a medalha de avô no peito, degusto com gosto abóbora cozida, assada, no caldo… Sua cor me enche os olhos e seu sabor me apetece. Deleito-me com sua consistência entre a língua e os dentes.


— Alô mãe, vou fazer o sacolão aqui de casa. Se quiser, aproveito e compro alguns produtos para a senhora.


— Quero sim.


— Então, me passa a lista, pelo telefone mesmo, que eu anoto.


— Cenoura, vagem...


— Ok, tudo anotado. Cenoura, vagem... Abóbora?


— Não, abóbora eu não gosto.

O silêncio me toma e um filme desfia meus afetos. Vejo imagens de encaixes aos solavancos como gostos que se aprendem ou se deixam para trás.


Assim, a vida! Quantos segredos moram nos sabores da infância!

 
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    Gielton

Atualizado: 22 de jul.

Gielton

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Estou com uma vontade danada de escrever sobre Zé Pequeno — igual coceira que não cessa, mesmo quando as unhas ferem a pele. É como me sinto, machucado por dentro, arranhado pelos baques da vida.

Queria registrar todos os momentos e guardar tudo, bem guardadinho na memória, para que nenhum detalhe escape, nenhum instante se perca no turbilhão do tempo.


Assim, meio desvairado, vou revivendo algumas de nossas inúmeras parcerias.



Ah, o café da manhã era quase sempre compartilhado. Cedinho estávamos de pé. Enquanto coava, seu aroma exalava por cantos inacessíveis da casa. Ele logo percebia, talvez pela roupa que eu trajava, ou pela energia concentrada nos afazeres do dia, que não lhe daria muita atenção naquela manhã. À francesa, voltava para o terraço. Sem graça e cabisbaixo, subia as escadas. Triste recostava em um canto para esquentar um pouco de Sol. Não demonstrava chateação, apenas uma espécie de aceitação sem julgamentos. Lia em meus olhos seu lugar naquele instante.

Quando eu vestia a bermuda, seguindo o mesmo ritual do dia a dia, ele já descia saltitante. Hoje tem pão, ou biscoito cream cracker, ou outra guloseima qualquer. À beira da porta da cozinha ficava atento aos movimentos. Eu, sentado à mesa, lançava o petisco. Aprendeu rápido, desde pequeno, a abocanhá-lo no ar antes mesmo de cair no chão. Quanta agilidade! Nossos reflexos, se comparados, andam em câmera lenta.


De repente, saía em disparada, derrapando tábua a fora, latindo feito louco. Tinha seus arqui-inimigos caninos da vizinhança, como dizia meu filho. Às vezes, ia para a janela de frente, outras, para a lateral e latia feito louco. Depois de muito esbravejar, voltava calmamente para continuar o café da manhã como se nada tivesse acontecido. Sabia expressar com ferocidade toda sua raiva. Quem nos dera sabedoria para expulsar sentimentos engavetados.


Quase sempre me acompanhava no lanche da tarde. Era no sofá, de frente para a TV, que deitava meu cansaço depois de vencer mais um dia de trabalho. Ele, sentado no chão com aquele olhar de cão pedinte, acompanhava meus movimentos e apanhava no ar seu pedaço de biscoito. Quando dizia, "agora acabou Zé Pequeno", deitava-se conformado ao meu lado para ganhar um afago. Adorava essa troca de carinhos. Sempre soube dar e receber!!!


Grande companheiro!

Saudades de você.

 

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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