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Atualizado: 8 de nov. de 2024

Gielton



Criança com capacete vista de cima sobre a bike






O capacete tatuado com figurinhas infantis é lindo. Ela nem fazia ideia, mas era seu presente de oito meses. Mais meu do que dela. Um sonho de futuro. Era ainda muito jovem para se sustentar na cadeirinha da bicicleta. Teria que esperar. Não sabia quanto.


A demora parecia infinita. Quando chegaria a vez das bicicletadas deitadas na fantasia? Os arranjos cotidianos não confluíam. Aqui dentro, o coração apertado ancorava certa resiliência. Talvez não será como imaginei.


— Pai, estamos pensando em mudar as coisas. Você poderia ficar com a Malu às quartas?


Um mês depois nos tornamos cúmplices do vento: ar que nos atravessa enquanto pedalo. Era só fazer o gesto com as mãos em punho girando feito pedal que seu semblante desabrochava.


Seu temor pela altura do chão foi cuidadosamente respeitado. Aos poucos, a confiança nos abraçou até nos tornamos uno: vô, neta e bike.


— Vovô, o que tem atrás deste muro?


— Sabia que ali é a escola que estudei quando criança?


— Era ali seu parquinho, vovô?


— Não tanto, mas... é Isso!


— E a mamãe, onde estava?


— Ah... ela nem tinha nascido. Nem tinha ainda conhecido sua vó!


Sem entender direito, mas mantendo a tagarelice...


— Onde a mamãe estava?


— Deixa eu ver... Lá no céu.


— Junto da sua mamãe? Ela também está no céu...


— É, mais ou menos.


— E eu, onde eu estava?


Pausa para pensar.


— Lá no céu também.


— Como a gente vem do céu?


Malu, de pé sobre seus três aninhos, tem a língua solta que agarra de longe ideias inimagináveis. Permanece presente em cada instante e fala, fala, fala... Nessa toada, em papos profundos, passamos pela pracinha, descemos a "rampa da velocidade", até alcançarmos o açaí. Adora o sorvete de morango com algumas guloseimas extras. Acho que é a parte mais aguardada do passeio.


De cima, enquanto as pernas volteiam em círculos, vejo as mãozinhas abraçando seu guidão e os pés firmados no apoio. O capacete roxo, com luas, pirâmides e estrelas, sombreia seu rosto. Não faz mal. Suas palavras tão bem articuladas nos enlaçam, atingem meus tímpanos e expandem corpo adentro. A alma, sem esforço, vibra em regozijo.


Meu pai foi para o céu antes de seus netos descerem. Talvez tenham se cruzado por lá. Sinto-me privilegiado em tê-los por perto nesse mudo. Só me resta agradecer!


Assim, a vida! Entre o céu e a terra.

Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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