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Gielton



Estrada em espiral com árvores, rios e montanhas

Foi uma tarde triste. Era uma dor que nunca havia sentido. Como se tivessem arrancado algo do meu âmago, a que me pertencia. Queria chorar. Não consegui. Aspirei as lágrimas para dentro do globo ocular e balancei a cabeça para espalharem. Quem sabe assim, secam mais rapidamente e dissolvem meu sofrimento.


Não queria acreditar. Disfarçava como se não fosse verdade. Era ainda muito jovem para perder um dente e sair com esse enorme orifício na gengiva. Porque diabos meus ossos foram corroídos a esse ponto? Como as bactérias cavaram um buraco tão grande na raiz? Sem sustentação, qualquer coisa cai.


Saí do consultório com um dos molares embrulhado em um guardanapo dentro do bolso de moedas da calça jeans. Para quê? Recordação? Que "merda" de lembrança seria essa?


Deixa de ser imbecil e vai viver.


Vivi. Muitos outros se foram nesses longos anos. Habituei à falta, mas a tristeza atualizou a cada um arrancado ao alicate. Não os embrulhava mais no lenço de papel. Por alguns chorei lágrimas face abaixo. Por outros, engoli o desgosto.


Estou prestes a morder de novo! Passo a língua e sinto os pinos de metal boca adentro. Enxertaram osso de boi na cavidade desossada e, com uma broca, cravaram pares de bucha e parafuso de titânio na nova estrutura. Um monte! Minha arcada está agora definitivamente implantada.


Os pré e pós molares já foram moldados e na próxima semana tiro a prova.


Ainda não sei o que sinto.


Assim, a vida! Segue em espiral.


<Imagem gerada por Inteligência Artificial>


Atualizado: 21 de set. de 2023

Gielton



Adolescente triste




Desisti da Vilma. A tristeza ainda perdurou por algumas luas. Talvez, já nesse tempo, tenha se revelado um jeito de ser, de tocar a vida para frente sem muitas "frescuras". Homem que é homem... Não que não chorasse. Apenas uma forma de disfarçar a dor.


Nada como uma nova paixão para destrancar um coração doído e fechado. Tudo aconteceu nas famosas "horas dançantes", uma grande desculpa para encontros, paqueras, flertes e "ficadas" entre os adolescentes.


Elas funcionavam mais ou menos assim: alguém cedia a casa, retirava os móveis da sala e pronto! Salão de dança arranjado. Simples assim. Nada de salgadinhos ou bebidas. Na hora marcada, normalmente fim de tarde e início da noite, a turma se reunia para dançar. A vitrola arranhava os discos de sucessos internacionais do momento. As meninas, encostadas nas paredes, ficavam à espera de um convite. Os meninos, bobos como nunca, se aproximavam e diziam: quer dançar comigo? Ela poderia, ou não, aceitar, de acordo com seu interesse naquele garoto, ou para fazer ciúmes em outro, ou simplesmente para se divertir. Era um jogo...


Sempre fui tímido, acanhado, medroso, principalmente com as mulheres. O pavor de ganhar um NÃO, muitas vezes me paralisava. Invejava os "caras de pau". Convidar uma garota a dançar era um suplício. E se ela não topar? E se ela disser: “na próxima”. Mesmo depois de muitas "horas dançantes", a ansiedade batia forte no momento do convite. Pior é quando estava planejando, vou, não vou e outro ia na frente. Perdi a vez!


Em uma noite dançávamos com várias meninas diferentes, uma música de cada vez. Após cada canção, o par se separava e cada um ia para seu canto. Mas, quando o casal se enamorava, aí sim, podia bailar a noite toda, música após música, ininterruptamente, sem ser incomodado. Permaneciam juntos no salão prontos para a próxima canção que demorava um pouquinho até a agulha ser recolocada no disco. Isso era ficar. Podia ou não rolar algum beijo. Namoro era coisa séria, autorizada pelos pais.


Meu encontro com a Daniela começou nessas horas dançantes. Tinha uns doze anos. No início, apenas dançávamos como todos os outros. Rostos colados, corpos grudados. Os braços soltos sobre os ombros era sinal de intimidade. Preferíamos um ao outro. Algo a mais pulsava nos corações. Até que um dia, na volta para casa, em um clima super favorável, aconteceu. No portão da sua casa, nos demos um beijo demorado, longo, que há muito ambos desejavam. Foi o primeiro de muitos que trocamos nesses quase dois anos de "ficadas".


Ela era linda, encantadora. Havia me escolhido. Logo eu, esse cara feio, de cabelo ruim e a cara cheia de espinhas. Desajeitado, medroso, tosco, como se diria hoje. Às vezes, ficava sem entender muito bem. Não me sentia merecedor daquela garota, mas fui.


Aos poucos ganhamos intimidade e confiança. Já não era preciso permanecer todo o tempo no salão. Podíamos escapar para outros cantos. Abraçar inteiro, beijar sem restrições, sentir o desejo dos corpos. Havia, é claro, muito respeito e ternura nessas trocas de afeto. Gostávamos de conversar, partilhar ideias e ideais de vida. Muito aprendemos um com o outro.


Crescemos... A vida entortou nossos caminhos, desviou nossa atenção. Aquilo que poderia ser atalho, desilusão. Os rumos que tomamos foram em direções diferentes, quase opostas. Doeu a separação.


Por um tempo engoli a tristeza, achatei o coração, disfarcei no raciocínio que não cabia, fiz estripulias com a lógica, suguei as lágrimas dos olhos e joguei tudo para debaixo do tapete. Afinal, homem que é homem...



Assim, a vida. Que segue...


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Criança sorrindo

O tempo transcorre. Segue seu rumo ritmado sem olhar para trás. Não quer nem saber se sou eu ou você. Está acima de nós, apesar de caminhar ao nosso lado. Pulsa no pulso...


Há quem pense que ele pode se curvar nas dimensões do espaço. Distorce, alonga, encurta. Dobra-se sobre si e "prega peça" nos desatentos. Assim, é de cada um na medida do fluir.


O menino escorregou como quiabo. Desceu das entranhas sorrindo! Era como se o mundo fosse um velho conhecido. Um bebê sabido das relações. Muito mais do que simpatia. Algo de dentro, de uma comunicação para além das palavras.


Aquela criança cativava pela silhueta da alma. Dizia tudo sem palavras. Pedia, ordenava, reclamava. A língua embaralhava sons monossílabos. Pá, era papá. Pé, pega. Dá era dá mesmo.


Os contornos do corpo diziam também. O indicador apontava, os dedos em movimento circulares nos fazia aproximar, a mão fechada proferia a raiva.


O olhar comunicava a quem quer que fosse. Desde o mais íntimo ao caixa da padaria. O rastro por onde passava exalava magia.


Ah, o tempo! Os aflitos diziam: leve esse menino ao fonoaudiólogo, já passou da hora de falar. Outros mais comedidos gentilmente questionavam:

será que o tempo dele se comunicar com palavras além de sílabas e gestos já não virou a esquina?


Nós, os pais, transbordávamos em dúvidas. Receio de passar do tempo, de vacilar na decisão, de chegarmos atrasados e o relógio se cansar da espera. Escorria incertezas como leite derramado.


Até que... veio a caxumba! Preocupados, cuidamos. A febre ardente atormentava. Abraçamos o temor. Ai, ai, ai meu Deus! De repente, uma encefalite instaurou-se e os devaneios vieram em frases inteiras com sujeito, verbo e predicado. No meio da doença conjugou perfeitamente até no pretérito do passado. Foi como se a feitiçaria do tempo com um toque de condão fizesse seu trabalho revelando o inesperado. Embasbacados, quase não críamos.


No tempo de cada um a vida se encarrega da forma e do conteúdo. Hoje, o adulto expressa sua sabedoria do humano, aprendida de tantas outras vidas, em ações de afeto explícito por palavras bem ditas de amor.


Assim, a vida! O sino do tempo badala a nota que ressoa em cada um.


Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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