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ELA

  • Foto do escritor: Gielton
    Gielton
  • 16 de jul. de 2020
  • 3 min de leitura

Gielton


O fim de semana foi inesquecível. Muito amor envolvido. Paixão, a dois, correspondida. Rolaram na cama em brincadeiras de subir em cima. Gargalharam como nunca a cada bobagem, a cada fantasia.


No domingo foram juntos ao mercadinho. A estrada de terra alargou a distância através dos olhares aos detalhes pelo caminho.


- O galo cantou de novo - ele disse.


Havia uma ponte no meio do trajeto. Pararam. O pequeno riacho que corre por debaixo ganha cores inesperadas. Pintam formas do refluxo inimagináveis. De cima, os dois deixaram o tempo andar em câmera lenta, como se fosse possível estancar seu curso. O riacho e o tempo correm para o mesmo lado. Talvez fosse possível senti-lo em cada microsegundo bem como as gotículas amontoadas da correnteza. O estado de espírito amplia percepções do entorno.


Nada como amar. Amor de entrega, amor por inteiro. Amor sem meias palavras, sem "disse me disse", sem medos... Tanto, tanto que não se largavam para nada. Até no sonho, sonhavam juntos.


Triste a hora da partida. Necessária? Diríamos que sim, mas há dúvidas sobre as necessidades. Deixemos a Filosofia de lado e sejamos práticos. É preciso ir.


Não conteve a dor da partida. Chorou. Talvez medo de não tê-lo de volta, mesmo que as explicações fizessem sentido e a sequência lógica fosse compreendida. O coração não conhece sinapses. Ele comanda a si mesmo involuntariamente. De toda forma permaneceu bombeando enquanto ele se foi.


Dentro do carro uma sombra o acompanhou por todo o trajeto. Intrigado, questionou:


- Há alguém aí?


O silêncio o descompôs. Manteve o olhar fixo na estrada enquanto lembranças desciam como estrelas cadentes em flashes de contentamento.


Nas escadarias do apartamento, entre bolsas e sacolas, o vulto subiu junto, bem de perto. Que se passa? Pensou em voz alta.


- Há alguém aí?


Ouviu um pequeno frangir indecifrável. Será que estou ficando louco? Cogitou.


As recordações se avolumaram naquela noite. Detalhes dos sorrisos gratuitos e das gargalhadas soltas devanearam por entre os sonhos. As mãos a puxar: "vem comigo"; trazia à tona espaços de confiança e inteireza compartilhados.


Pela manhã, a sombra ganhara perfil. Visível em contorno, nem tão nítida, mas perceptível. Cismado com a imagem ainda difusa questiona.


- Há alguém aí?


Dessa vez, um som quase inaudível estremeceu. Conseguiu traduzir.


- Sou eu.


- Quem?


O dia passou tumultuado. Entre afazeres, preparos e organizações pouco percebeu ou sentiu. Na calada da noite, quando a TV já desligada devolvia o silêncio para a casa, ela retorna, quase ao mesmo tempo em que as recordações dos dias anteriores povoam sua cabeça. A silhueta já tinha forma definida. Clara e nítida. Havia um pequeno brilho vindo de dentro. O semblante era calmo, sereno. Ela era bonita, mas um pouco triste. Antes que algum mau lhe acometesse indagou:


- Quem você é?


- Sou a Saudade!


- Ah, sim. O que faz aqui?


- Venho sempre que me chamam. No entanto, a maioria não me vê. Choram por mim. Não me reconhecem como carícias no tempo. Tempo de bem estar, memórias de querenças cravadas na alma, afagos na história.


A Saudade o invadiu por inteiro. Lembrou-se dos colos ofertados, dos carinhos que o corpo agradece, dos afetos grudados nos íntimos de cada um. Adormeceu.


A manhã foi cheia. Ajeitou tudo antes do retorno. Era sexta-feira. Assim que abriu a porta a Saudade sentou-se no banco de trás. Permaneceu em silêncio enquanto as lembranças avivavam. Fez todo o trajeto absorto, enquanto a linda Saudade ganhava brilho. Agigantou-se. Uma luz tenra mantinha clara a mente. Papearam. Ela, emanava sabedoria. Ele, deixava-se penetrar.


Desceram juntos do carro. Entraram. Atravessaram o jardim. Ela estava brilhante e ansiosa como ele. Seu neto o esperava na varanda. Abraçaram-se ternamente como velhos e bons amigos. Apertaram-se, um no outro. Nesse instante, a Saudade esmaeceu como num sopro de mágica. Leve como uma pluma, subiu aos céus e deitou-se em um colchão de nuvens. Lá de cima espreitou. Depois, deitou e dormiu.


Imagem do post em <https://pin.it/2bSC3YW>

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Textos - Gielton e Lorene / Projeto gráfico - Dânia Lima

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